Certa feita um bom mineiro, nascido e criado em um município típico do interior de Minas
Certa feita um bom mineiro, nascido e criado em um município típico do interior de Minas, de onde até muito tarde da vida não havia saído, teve que se deslocar para a capital. Era uma tarefa intransferível. Afoito, tomava decisões mais ligeiro, ora se dava bem, mas muitas vezes era obrigado a voltar atrás quando ainda dava tempo. Um tanto vaidoso, penteava seus cabelos com a perfeição de retoques de restaurador. Claro, com o auxílio infalível do gel capilar, a antiga glostora. Com pouco estudo veio a ganhar a vida no cultivo de uma gleba herdada de seus pais. Tocava um gadinho de leite e plantava umas hortaliças para venda miúda e consumo doméstico. Do leite também saía um queijinho. Assim era sua rotina. Casado com a patroa que assegurava uma casa com ares de felicidade conjugal que se pretende pelo esmero, limpeza e organização, sem contar o cafezinho passado e coado na hora e quitutes como uma boa broa ou um bolinho de fubá e manteiga de leite. Os hábitos noturnos eram curtos porque logo chegava a hora de recolher para o merecido descanso, mas sempre se arrumava um tempinho para um dedinho de prosa. Bom, essa é a bagagem de vida que nosso bom mineiro levou consigo para, sozinho, chegar à capital. Dispensável dizer a maratona que foi a viagem até desembarcar pela manhã na rodoviária de BH. Tomou um táxi sob orientação de amigos que já haviam ido à capital. Deu o endereço e foi para o destino. Ocorre que se confundiu e não explicou certo ao taxista. Desceu do outro lado da avenida de intenso tráfego. Aí começou a saga. Tentou atravessar, mas, sem êxito. Novamente, e nada, não conseguia. Foi para outro ponto da avenida e da mesma forma não dava. Era colocar o pé no asfalto e já surgiam os carros velozes, impedindo-o de atravessar. Foi cansando daquilo, impaciente, querendo voltar. Eis que resolveu perguntar, gritando, a um transeunte que estava do outro lado da avenida, como faria para atravessar. Veio a resposta que calou fund “não sei como atravessar, eu nasci daqui”. A partir daquele instante abandonou o que foi fazer e buscou o caminho de volta para nunca mais sair do lugar onde nasceu. Contou o ocorrido para todos de seu convívio, que, assustados, também nunca mais saíram de lá. E no pórtico da entrada da cidade passou-se a ler: “Daqui não saio, daqui ninguém me tira”.
(*) Engenheiro, fundador do PSDB