Olá, tenho percebido que anda meio distante de tudo. Ontem mesmo fiquei observando sua maneira de escutar um assunto que sempre foi de seu interesse e parecia não dar a mínima. Impressionei-me sobremaneira com sua fugidia expressão que tomara sua face em nítida linearidade, como se fora aquela famosa cara de paisagem. Notei que ao seu redor, em um raio de cobertura que meticulosamente calculara para sentar-se, com distância cômoda que não o incomodasse, você estava protegido e incólume de argumentos com os quais é frequentemente habituado a ouvir e prontamente contraditar, mas ontem, especialmente, faltou-lhe, visivelmente, disposição. Era claro seu desinteresse ou, pelo menos, muito bem dissimulado. Como o conheço, permiti-me ficar na dúvida entre uma encenação ou uma espontânea e despercebida desatenção que demonstrara com o que se discorria. Confesso que a interatividade do que se tem abordado está virando hiperatividade histérica, daí a imaginar a saturação que ocorre. Indaguei-me se não é este o motivo que o tornou desmotivado em participar da forma eloquente, porém, prudente, mas incisiva e consistentemente como sempre é com suas intervenções. Entenda, não o vi apático e abatido, mas simplesmente abstraído, um tanto distraído e certamente nada envolvido. Em um determinado momento, aqueles quando já se foram o preâmbulo de todos que se colocam com suas premissas e atinge-se a etapa da justificativa que cada um oferece ao habitual diálogo, foi aí que notei impacientar-se, bem discretamente, que só quem o conhece como eu sabe que inquietara e precisara domar-se interiormente a fim de manter-se voluntária ou involuntariamente alheio ao calor das trocas de saberes inerentes à democracia, custe o que custar. Como sempre me diz, para liberdade de expressão, tolerância máxima e assim sempre o vi atuando, dialogando, escutando. Mas, ontem, não. Ontem o notei enfastiado, embotado, ressaqueado, indiferente, impaciente. Para quem tudo que vem do seu semelhante é merecedor de respeito e atenção foi estranho observá-lo. Quero crer que tenha sido mais um daqueles dias que, por ironia, o destino insiste nos demonstrar que ele existe e estamos fadados inapelavelmente ao seu sabor. Não há o que se fazer porque já está tudo feito. Desta forma foi que enxerguei o amigo diante de tudo que notava e sequer respondia. Pretendo ouvi-lo em breve com a esperança de que ainda temos chance. Viva a democracia!
(*) Engenheiro
