"Existe uma meta, mas não há caminho; o que chamamos caminho não passa de hesitação."
“De um certo ponto adiante não há mais retorno. Esse é o ponto que deve ser alcançado.”
Era uma sensação de que algo invisível estava presente, dificultando meu deslocamento pela casa. Amedrontado, indagava em voz alta o que ou quem me incomodava. Anoiteceu. Acendi as luzes. Elas lampejavam como pisca- pisca até minguarem totalmente. Flutuava como se levitado. Fui parar no teto. Fiquei lá grudado como um réptil. Estranhamente minha desenvoltura tinha um bom desembaraço. Passei a rastejar com destreza e pude constatar que lá não seria incomodado. Por isto minha permanência de cabeça pra baixo na casa dava uma sensação de independência e segurança, em um território inalcançável por essa Força. Precisava derrotá-la de tal modo a voltar à normalidade. Não podia ficar eternamente no teto. A fome chegou e chamou- me à realidade. Era o impasse que precisava para me situar: ou tudo era uma questão a ser resolvida comigo mesmo ou se a batalha era com um inimigo externo que se alojou em minha casa vindo de não sei de onde e com qual propósito? A fome continuava. Evidência de que vivia tudo aquilo. Habitava o teto e rastejava como se fossem virtudes adquiridas pela impossibilidade de ser diferente, ou seja, ser normal em meu lar. O pânico tomou conta. Sabia que tinha de enfrentar o desconhecido, o inimaginável e intangível. Estava faminto. Eis que me vi réptil. Dei à língua nova função, um movimento surpreendente e elástico para abocanhar os insetos e aracnídeos que estivessem ao alcance. Senti na carne a dor e a humilhação quando lhe falta o mais básico dos alimentos. Não há mancha mais nefasta na história da humanidade, a de não sanar a fome do Mundo. Talvez seja este o nosso triste legado, vergonha da raça humana, a perpetuar na história do Universo.
Em aluvião apareceram incontáveis vaga-lumes a ofertar-me um clarão indescritível. Auxiliei-me daquela centelha e cheguei ao teto da cozinha. Os vaga-lumes desapareceram. Rendido pelo cansaço e debilitado sabia que não podia baixar guarda à Força que estranhamente resolveu se apoderar de minha casa, tornar-me refém, abalar minhas convicções, e subjugar-me como um animal rastejante.
Percebi que amanhecia ao ver o raio azul escuro refratando no vidro fosco da janela sobre a pia. Prostrei, espatifando no chão da cozinha em queda livre do teto.
Recuperei os sentidos pelo sacolejo de minha secretária que me encontrou desacordado na cozinha. Enquanto reanimava-me ligou para o médico que resolutamente apareceu. Deitado, fui observando a casa. Olhei para o teto e não encontrei sinal de minhas andanças por lá. O chão da sala reluzia o sinteco. Estranhei. Sem qualquer vestígio, como faria alguém acreditar-me ao narrar o ocorrido? Ou teria sido alucinação? Volto ao cotidiano portando muleta e tipóia. Creio que foi porque despenquei do teto da cozinha. Era dia de eleição. Precisava votar. Ofereceram uma ambulância. Agradeci. Preferi ir caminhando de cabeça pra cima em contato com o povo na rua...
(*) Presidente do PSDB Uberaba