Com a indicação de “Ainda estou aqui” ao Oscar, já laureado com estatueta de Fernanda Torres – Golden Globe –, ocorre-me um resgate histórico: a participação decisiva dos EUA para a viabilização do Golpe de 64, com a ditadura militar por mais de duas décadas. É inquestionável, porque documentado, o apoio financeiro, estratégico e a disposição bélica para a pretendida queda de João Goulart. “Até hoje, essa impressionante e ilegal intervenção na política brasileira, com consequências tão dramáticas para o nosso país, que conviveria com uma ditadura de 21 anos, ainda não resultou em um pedido oficial de desculpas por parte de Washington” – Felipe Loureiro, professor do Instituto de Relações Internacionais da USP.
O endosso americano ao Golpe teve um papel fundamental na tomada de decisão de muitos militares que se viram acobertados e, portanto, estimulados à deposição de Jango pela força das armas. Aliás, a participação americana não se limitou ao Brasil, alcançou o Chile e outras nações latino-americanas.
Não é nada fantasioso reconhecer que nos porões da ditadura, nos “Doicodis” da morte, havia a presença silenciosa do Big Brother aliado, com a famosa operação Brother Sam, para abençoar a maldição que devastou famílias e vidas irrecuperáveis. Uma delas, a de Rubens Paiva. Como dizia Guimarães Rosa: a vida é mutirão de todos. No caso, foi um mutirão de envolvidos acumpliciados para a ação coordenada de barbaridades em nome da ordem e progresso.
Passados sessenta anos, seis décadas, “Ainda Estou Aqui” também está lá. Chega como imigrante cinematográfico para contar uma história que não é só nossa, porque nesse mutirão de atrocidades há vestígios de DNA “do irmão” do Norte. Nessa trama macabra não existe ficção, são seres ressuscitados de uma história que não pode ser esquecida. “O filme é o corpo do Rubens que nunca foi encontrado” – Selton Mello.
Eunice Paiva, a personagem central, desembarca nos EUA em um momento que pede a presença de pessoas como ela, que, além de todo o périplo e calvário em busca de justiça na luta contra a ditadura, foi atuar contra a violência e a expropriação indevida de terras perpetradas à população indígena. É coautora do livro “O Estado contra o índio”.
Como seria mágico um encontro entre Eunice, Joan Baez, Mercedes Sosa, Violeta Parra, Rosa Parks e tantas outras surgindo no Oscar, na grande tela do Dolby Theatre, dizendo: “Ainda estamos aqui, gracias a la vida que nos deu a marcha dos nossos pés cansados. Com eles atravessamos cidades e poças. Praias e desertos, montanhas e planícies. E sua casa, sua rua e seu quintal. Y la casa tuya, tu calle y tu pátio”.
Ah, que tal um boné pra usar lá: “Nanda é Brasil aqui”.