Dias atrás, lendo um belo livro, percebi que passei mais de quarenta anos achando que passamanaria era “passanamaria”. Caçula de sete, convivi a infância com três irmãs e mamãe. Meu pai sempre ...
Dias atrás, lendo um belo livro, percebi que passei mais de quarenta anos achando que passamanaria era “passanamaria”. Caçula de sete, convivi a infância com três irmãs e mamãe. Meu pai sempre trabalhando. Somam-se a nós, os três primeiros irmãos, cuja diferença etária que me separa deles permitia-me, com deleite de inquieto aprendiz, apenas ouvi-los e observar suas avançadas atividades estudantis bem distantes de minha iniciação no primário da Escola Rui Barbosa. De vez em quando, arriscava um palpite em assuntos que sabia não serem de minha alçada. Ouvia: lugar de criança não é na sala ouvindo conversa de adulto. Era assim.
Hoje, onde é o lugar de criança? Que espaço ocupa em nossas vidas? São adultos prematuros que sabem de tudo com a ostentação que dispensa uma ponderação mais experiente. Soberanos, encurralam os de mais idade e ganham território físico e virtual em todos os cantos da casa e das reservadas conversas que, por este motivo, deixaram de ser reservadas. Estamos na era da dinastia juvenil que impera empunhando armas de combate poderosas acionadas online pelo teclado e o controle remoto. O mundo espetacular das grandes descobertas infanto-juvenis já vem pronto. Não há mais nada a deduzir, intuir, experimentar mirando em exemplos positivos ou não dos mais velhos. Tudo já está testado, armazenado, zipado, pronto, acabado. Basta desfrutar. Inverteu-se a ocupação de espaço. Lugar de adulto é onde possa chupar o dedo, acomodar-se, acompanhar e concordar com os feitos e mal feitos dos mais jovens. E olha que por enquanto essa conversa não saiu de casa. Do lado de fora, nem é bom pensar. Aí mora um perigo maior. Triste é a impotência dos que desejam mudanças, ou retorno a um tempo melhor.
Volto à passamanaria. A troca, claro, devia-se ao nome de minha irmã Ana Maria. Quando mamãe dizia passamanaria, um aviamento para costura, eu entendia “passanamaria”. Relembro palavras ligadas ao tema. Veio-me entretela, redingote, gorgurão, organdi, organza, corpete, plissado, gabardine, pashimina, musseline, chiffon, espartilho, crepe, godê... Não sei o significado exato e para que serve cada uma destas peças do armário feminino, entretanto chequei e constatei que só confundi passamanaria. Com efeito, passados quarenta anos, descobri a passamanaria.
Acredito que ninguém ao longo da vida terá o tempo e nem oportunidade suficientes para saber tudo que possa ter confundido, interpretado diferente, aprendido verdades, postulados e teoremas que não se sustentam mais. Exemplo bem atual: quem faleceu antes do rebaixamento do Plutão foi embora acreditando que ele é um planeta. Então fica assim, lugar de criança é na sala... sala de aula.