Considerado tresloucado por muitos, Dom Quixote é intrigante, fascinante, inspirador e apaixonante. É atemporal. Sua personalidade, seu comportamento e suas alucinações merecem, até hoje, estudos de dedicados profissionais que provavelmente ainda não chegaram a um consenso quanto ao distúrbio mental, ou o “mal” que acometia o Cavaleiro Errante. Seria mesmo louco? Alguns arriscam ser o primeiro registro de um bipolar, outros falam de perda temporária de memória, também em esquizofrenia e por aí vai. Quem sabe Cervantes dotou sua personagem de todas as psicopatologias em perfeita harmonia, dando-nos a receita da loucura ideal. Ou seja, um pouco de tudo é um tudo de nada. Dom Quixote, a partir de suas fantasias e “sandices”, idealizava um mundo melhor, mais justo, mais romântico. Óbvio que para a “concretização” de seus sonhos muitas batalhas eram travadas. E que batalhas! Os moinhos, com cem braços e cinquenta cabeças, eram gigantes a serem abatidos. Rebanhos de ovelhas eram exércitos a serem combatidos. Todas as contendas se justificavam pela devoção a Dulcinéa, a musa e amada que inspirava suas missões de cavalaria, e a amizade a Sancho, cuja fidelidade, embora muitas vezes renitente e relutante, reconhecia-se na “credulidade” que demonstrava em todas as façanhas e promessas de Quixote. Um dos traços marcantes dessa mirabolante e frenética empreitada é a constatação de que apenas a nossa mente é capaz de imaginar um mundo ideal e moldar a realidade, sem cerrar os olhos para a verdade cruel. Esta obra será tanto mais eterna e imortal quanto mais acreditarmos que as transformações acontecem à medida que a vivenciamos em nossos sonhos. Caso contrário ela irá desaparecer em alguns séculos, se continuarmos a desprezar o sonho como fonte de transformação. Por isso, com todo respeito a opiniões discordantes, acho que O Homem De La Mancha está com sua imortalidade comprometida. Imagine se Dom Quixote e seu fiel escudeiro Sancho Pança resolvessem retomar suas aventuras em território brasileiro do mesmo modo que fizeram há quatrocentos anos em plagas espanholas. Quantas batalhas teriam pela frente? Quantos moinhos teriam de enfrentar? O que seria loucura? O que seria lógica e lucidez? Talvez o cavaleiro da Triste Figura concluísse que era um louco a ser varrido pela insanidade do cotidiano surreal, jamais experimentado, muito menos fantasiado em sua mente brilhante.
(*) Engenheiro