Perguntei a um passante: como anda a rua? Ao que me respondeu: a rua anda parada...
Perguntei a um passante: como anda a rua? Ao que me respondeu: a rua anda parada. Retomei a palavra e disse-lhe: como anda parada? Ele comentou: rua do meu tempo, por onde andas, cadê meus endereços, cadê seu fim e seu começo? Rua parada no meu tempo se foi andando com passos lentos, levando consigo seus destinatários. Rua parada no meu tempo, quem passa agora pouco sabe por onde anda. Rua disparada do meu tempo, onde foram parar meus remetentes? E assim, ao ouvir sua ponderação que era mais do que um relato exato de tudo que já se foi, passei a perceber a rua pela calçada já descalça de tantos que por ali circulavam e lhe davam o sentido de chamá-la de passeio. Por ele se andava devagar, sem pressa e com costumeira contemplação; não fazia sentido correr. A extensão da casa, o quintal do lado externo, comum à vizinhança eram a rua e suas duas calçadas. Campo de futebol, de jogo de bete, quadra de amarelinha, queimada. Invariavelmente, viam-se grupos de meninos e meninas em atividades esportivas no conhecido e democrático espaço de recreação. Rua de todos, sem distinção e diferenças. Pique, bola de gude, amarelinha, cabra-cega, queimada, futebol de rua. Meninas e meninos não se cansavam de brincar. As mães, depois de horas, exaustas, dispersavam a turma, pois sabiam que no dia seguinte tudo estaria de volta, na mesma hora e no mesmo lugar. Para a escola ia-se e vinha-se a pé, sem a menor preocupação. Crianças de diferentes níveis sociais se irmanavam a desfrutar um mundo infinito de brincadeiras. O engraxate descansava sua caixa e era escalado na pelada junto com os mais afortunados, formando, em harmonia, um time sem titulares e reservas. Geralmente, desequilibrava o jogo, com gols de craque. Agora, as ruas estão asfaltadas, as casas fechadas, as mães e pais no trabalho. As crianças e adolescentes nos computadores. Os engraxates tornaram-se malabaristas e cuspidores de fogo do sinal vermelho. Estão jogando gude com pedras de crack. Mas é preciso insistir em cantar: “... Ai, que saudades eu tenho duma travessura! Um futebol de rua... Sair pulando muro... Olhando fechadura e vendo mulher nua... Comendo fruta no pé, chupando picolé, pé-de-moleque, paçoca. E disputando troféu, guerra de pipa no céu, concurso de pipoca…” (Chico Buarque).
(*) Engenheiro