Ruy Castro, acrobata das letras, disse que seu desejo quando morrer não é ir para o céu, e sim para um sebo. “Quando morrer, não quero ir para o céu, quero ir para um sebo”. Também me associo ao biógrafo, articulista, escritor literário, imortal da ABL. Quero vagar invisível no sebo à procura do que não encontrei em vida.
Sebo não é cemitério de livros, é estação de passagem que lhes dão sobrevida e os prepara ao próximo encontro. Portanto, não estarei nem no céu nem no cemitério. Estarei em uma oficina da vida, onde se cuida, com capricho artesão, do bem mais precioso da humanidade, o pensamento e seu significado.
“Ilusões Perdidas”, de Honoré de Balzac, adquiri em um sebo. A revisitei recentemente e percebi que os anos acumulados não mais me permitem relê-la com a facilidade de quando a li pela primeira vez. O tamanho da fonte tipográfica é impeditivo intransponível, mesmo amparado pelos meus imprescindíveis óculos. Aliás, lá atrás, a edição é de 1978, já merecia um esforço visual reforçado.
Na ocasião, eu acabara de ingressar em Engenharia, de olho no Jornalismo. “Ilusões Perdidas” me deixou mais perdido ainda. Balzac me apresentou, de forma realista, o que eu romanceava. Lucien, poeta interiorano, ruma a Paris, onde pretende se tornar um renomado escritor. Esbarra em um mundo de manipulações, trapaças, suborno, onde o que rege a valorização artística é o dinheiro. Percebe que a única forma de prosperar é entrar no jogo. Vai se convertendo em um homem prepotente, arrogante e cínico, o que sempre combateu.
Ao resumir sua trajetória na capital francesa, dirige-se à irmã e diz: “eu combati Paris” e a irmã lhe responde: “e Paris venceu”. Ela se referia à transformação do irmão, que se curvou ao “inevitável pragmatismo” da aristocracia parisiense à época. “Da grana que ergue e destrói coisas belas”, Caetano, em Sampa, atualiza Balzac.
Escolher o sebo como morada eterna dá a sensação de que ainda há ilusões a ser perseguidas e reencontradas em vida e que nem tudo está perdido. Se por acaso não houver sebo onde me quedar, que seja pelo menos em uma singela biblioteca. Quero começar por “Memórias Póstumas de Brás Cubas”. Para Antônio Maura, escritor e crítico espanhol, Machado era bem superior a Balzac. Quem sabe Ruy Castro dê a honra e resolva opinar.
Luiz Cláudio dos Reis Campos