Olhou pelo buraco da fechadura e não acreditou no que viu. Surpreso e perplexo, lamentou o tempo perdido. Descobriu com seus próprios olhos, não era apenas de ouvir falar. Estava ali, a sua frente. Silenciosamente deixou o lugar sem deixar vestígio. Nada foi percebido. Não comentou com ninguém o que avistou do outro lado da porta. Chegou ao convés, deu nó de marinheiro na corda enrolada no pescoço e pulou no mar. Ficou dependurado, batendo como um pêndulo em um dos bordos do costado da embarcação até que a corda desatrelou-se do mastro e ele desapareceu nas profundezas oceânicas. Levou consigo o segredo que o levou ao fim. E assim ninguém jamais saberá o mistério que envolvia aquele buraco de fechadura. E daquele dia em diante nunca mais naquela fechadura se pôs olhos. A porta foi arrombada e nada nem alguém encontraram no recinto. Minto, apenas uma lira, instrumento musical de cordas, uma saia e um espelho. Estranho, como uma lira, uma saia e um espelho poderiam provocar extrema atitude. A escotilha estava aberta, ventava muito. Jogaram ao mar a saia, a lira e o espelho pela janela. Quem estava no convés pôde perceber os objetos boiando e subitamente tragados como se devorados por um peixe faminto. Havia um bordado na saia com letras que se lia: não sou sua, nem de ninguém, nem de Odisseu, que me ouviu e do mastro não se desprendeu. Com isto, não restaram dúvidas. Eram Pisinoe a controladora de mentes, e Thelxiepia, cantora que enfeitiça. Ao olhar pelo buraco da fechadura, ficou enfeitiçado e hipnotizado. Ao flagrá-las, caiu em desgraça, amaldiçoado por vê-las em desatenta descontração. Não resistiu à tentação. Deve ter tentado abrir a porta, forçando-a para delas se aproximar. Havia indícios de arrombamento que, lógico, não se efetivou. O que intriga é o esquecimento ou o propósito de deixar a lira a saia e o espelho no alojamento. Talvez para registrar que desejavam voltar ou para que se soubesse que estiveram por lá. Tudo isto foi narrado, descrito e relatado para estudiosos, oceanógrafos, mergulhadores e mitólogos. Afora o mitólogo, os demais se posicionaram incrédulos. Disseram que esta era mais uma das lendas envolvendo sereias e que estavam fantasiando o ato tresloucado de quem se enforcou e sumiu no mar. Questionaram que até mesmo da lira, da saia e do espelho se desfizeram, por quê? Não ficou nada que pudesse relacionar as suas presenças, apenas os testemunhos de dois que entraram no quarto vazio só com as três peças. Reparada, a porta foi fechada novamente. Aos céticos foi proposto o teste do buraco da fechadura, mesmo com toda a convicção da inexistência e da fantasiosa história, não se apresentaram. Disseram que se participassem estariam dando crédito a uma alucinação. O mitólogo se colocou à disposição e deu o seguinte veredito, lembrando o poeta: “Quem acredita em sereia sabe os segredos do mar” e arrematou: “De uma mente dominada e enfeitiçada não duvide de nada”. E das rochas amalfitanas reverberou o eco revelador da palavra final: è vero, sirene vivono qui.
(*) Engenheiro civil