Passeando pelas entranhas de Minas, fui dar em uma região montanhosa, de topografia imponente...
Passeando pelas entranhas de Minas, fui dar em uma região montanhosa, de topografia imponente. Da estrada de terra vê-se ao longe a espinha dorsal de trechos da Mantiqueira. Parece que lá fica tudo muito bem guardado e reservado. Tive a sensação de que quanto mais adentrava ia me desligando da realidade de lugares comuns, onde não conseguimos enxergar peculiaridades que despertam interesse. Deparei-me com um casal de idosos acomodados em suas espreguiçadeiras na calçada. Davam a impressão de tamanha cumplicidade que dispensavam qualquer diálogo entre eles. Simplesmente observavam os passantes com o silêncio sábio de quem sabe tudo que vai acontecer. Entretanto, eu quebrara a rotina e despertara curiosidade. O senhor fitou-me de cima embaixo com um olhar de sabatina, aquela expressão que os olhos dão ao rosto que o faz pronunciar sem palavras. Estava sendo avaliado. O resultado veio em forma de convite; chamou-me para sentar. Senti minha aprovação reforçada pela descontração da mulher que calmamente se voltou em minha direção, mudando a posição do corpo. Puxei uma cadeira e me associei ao casal na pasmaceira. A cerimônia foi dando lugar a uma recatada intimidade, quando o marido perguntou o que me levava até lá. Disse-lhe que era por interesse de curioso e por se tratar de uma bela região. Intrigava-me a senhora. Depois que se posicionou na cadeira de modo a não me perder de vista, ficou imóvel, como se estivesse petrificada. Bom, perguntei se tinham filhos. O velho disse-me que sim, dois, mas não os viam há muito. Informou-me que se engalfinharam por conta de uma moça chamada Malvina, que desandou com os dois e foi-se com eles. O nome dela me lembrou de uma prosa entre dois compadres, no interior mineiro. Um perguntou: – Por que a Inglaterra está brigando com a Argentina? – É por causa das Malvinas, respondeu. O primeiro concluiu: – Sabia que tinha mulher no meio. Voltando aos filhos, percebi no casal um conformismo intrigante em relação às suas ausências. A velha desapareceu. Perguntei o que tudo aquilo significava. Respondeu-me que nada tinha significado. Convidou-me para caminhar. Chegamos ao cemitério. Pediu que eu lesse o escrito na grade e sumiu fantasmagoricamente. Li atent “Tu és quem eu fui, tu serás quem eu sou”. Daquele dia em diante jamais duvidei de assombração. Creiam, existe...
(*) Engenheiro