ARTICULISTAS

Varsóvia, 80 anos atrás

Luiz Cláudio dos Reis Campos
Publicado em 28/02/2024 às 18:48
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Vieram-me à mente imagens do filme “O Pianista” – de Roman Polanski, estrelado por Adrien Brody –, baseado na história real de Wladyslaw Szpilman, um artista judeu-polaco que interpretava peças clássicas em uma rádio de Varsóvia, até quando tudo começa a mudar a partir das primeiras bombas caírem sobre a cidade, em 1939, com a invasão alemã. Inicia-se o período de severas restrições aos judeus-poloneses e, também, o surgimento do Gueto de Varsóvia para confiná-los em áreas segregadas, fechadas por muros. Com a escalada da guerra e a ofensiva alemã aos judeus, as condições de vida no Gueto vão se deteriorando entre as 380 mil pessoas, cerca de 30% da população de Varsóvia, em uma área correspondente a 2,4% do território da cidade. As cruéis medidas dos nazistas tornam a vida no Gueto insuportável. Os sistemas de esgoto eram destruídos pelos nazistas e os dejetos tinham que ser jogados nas ruas com o lixo. Não havia alimentos, a fome alastrava-se, acompanhada de suas tenebrosas consequências. As mortes intensificavam-se pela inanição, pelos maus-tratos, doenças colaterais, frio intenso, execuções sumárias e os suicídios de vários que optaram por abreviar o sofrimento diante da sombria perspectiva que avistavam. Os guetos nazistas eram uma engrenagem crucial para a máquina da morte que seria implementada nos campos de concentração. No caso em questão, Treblinka.

Relatos marcantes foram registrados por diversas vítimas sobreviventes dessas monstruosidades, que envergonham a humanidade:

1- “Faltou-me palavras para descrever um dia na vida destas pessoas neste momento. Nós nos viramos e tentamos dormir por um tempo, mas o som dos bombardeios não permite. E o som abafado da voz do meu filho lentamente se torna compreensível: ‘Mãe, estou com fome’. Começo a me culpar por ter filhos e por tê-los trazido para o Mundo com esta guerra miserável”.

2- “Estamos em abrigos superlotados, sem água corrente, eletricidade e alimentos.”

3- “Parece que fugíamos de uma morte para a outra. Não há um centímetro seguro”.

4- “Pouco antes de chegarmos, vários ataques atingiram uma padaria. Centenas de pessoas fizeram fila em busca de pão. O que encontraram foi a morte através dos bombardeios.”

5- “Faz duas noites que aqui foi transformado em um sítio perturbador de massacre e destruição, fora a fome absoluta, a falta de remédios, água, abrigos, cobertor para proteger do frio. O Hospital está sitiado. As pessoas estão cansadas, estressadas e não têm para onde ir, nem quem as proteja.”

6- “Dói muito ouvir as pessoas vivas embaixo dos escombros e não poder fazer nada.”

7- “Agora o nosso principal objetivo é ficar vivo por um milagre. Não temos nenhum escape disso, nenhum.”

8- “Não deixaram entrar ajuda humanitária ou medicamentos. Não deixaram nada.”

9- “Mulheres grávidas como eu deveriam beber leite e comer ovos. Todas as padarias foram bombardeadas. Não há pão nem água.”

10- “Eu me sentia fraca, impotente, invadida pelo cansaço, como se tudo acontecesse fora de mim. Tínhamos que ficar em silêncio, enquanto os alemães queimavam o Gueto, rua após rua.”

Dos relatos acima registrados apenas o último é de uma sobrevivente do Gueto de Varsóvia. Os outros nove são de palestinas e palestinos da Faixa de Gaza, em meio ao conflito atual. Porém, todos, sem exceção, se encaixariam em ambas atrocidades, em Varsóvia, 80 anos atrás, ou GAZA 2023/2024.

Em tempos de IA (Inteligência Artificial), não há a menor dificuldade de colocar Wladyslaw – o pianista – em GAZA, escondendo-se nos escombros, como precisou fazer em Varsóvia para sobreviver. O que será que passaria por sua cabeça depois de quase um século da barbárie de que foi vítima e testemunha de incontáveis perdas humanas e a degradação do ser humano em sua forma mais perversa? Que “concerto” faria?

 Luiz Cláudio dos Reis Campos

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