ARTICULISTAS

Aproveitamento de créditos de PIS/Cofins sobre despesas com aluguel de caminhões, tratores e máquina

Marcus Vinicius Stacciarini
Publicado em 12/04/2025 às 12:08
Compartilhar

Aproveitamento de créditos de PIS/Cofins sobre aluguel de caminhões e máquinas agrícolas gera controvérsias, pois a RFB os classifica como veículos, ignorando sua função produtiva.

O regime de não-cumulatividade tributária permite que as empresas descontem créditos referentes a custos e despesas incorridos em suas atividades, de forma a evitar que o mesmo tributo incida repetidamente sobre um produto ou serviço ao longo de sua cadeia produtiva e/ou de comercialização, gerando a denominada “tributação em cascata”. Sendo assim, a correta identificação e utilização desses créditos são cruciais para a gestão fiscal e a competitividade das empresas.

Ocorre que esse aproveitamento de créditos tributários sempre foi objeto de muitas controvérsias no atual Sistema Tributário Nacional. No caso de PIS/Cofins, houve uma grande discussão sobre o conceito de insumos. Nesse sentido, uma situação que ainda gera dúvidas é a do aproveitamento de créditos de PIS/Cofins sobre despesas com aluguel de caminhões, tratores e máquinas, no contexto de produtores rurais e agroindústrias, conforme disposição no art. 3º, incisos II e III, da lei Federal 10.637/021 e art. 3º, incisos II e IV, da lei Federal 20.833/03.2.

Do que se constata, esses dispositivos não fazem menção expressa aos caminhões e tratores agrícolas. E, embora haja previsão do crédito sobre aluguel de máquinas, muitas vezes ocorre de as máquinas agrícolas serem classificadas como veículos apenas em razão de sua capacidade de deslocamento/movimentação, ignorando-se seu papel no processo produtivo do setor agropecuário e/ou agroindustrial. Disso resulta a glosa dos créditos de PIS/Cofins sobre o aluguel desses itens agrícolas. Por isso, analisemos os posicionamentos da RFB e do Carf sobre o tema.

Antes de mais nada, cabe pontuar que as Soluções de Consultas proferidas pela Cosit têm efeito vinculante no âmbito da RFB, nos termos do art. 33, inciso I da IN RFB 2.058/21. Significa dizer que os auditores fiscais da RFB estão vinculados aos entendimentos manifestados pela Cosit em sede de solução de consulta. Por essa razão, não é exagero concluir que as soluções de consulta representam o entendimento da RFB sobre determinado tema.

Pois bem. Na SC Cosit 1/14, a RFB tratou do aproveitamento de créditos de PIS/Cofins sobre despesas com aluguel de veículos. No caso em questão, a consulente era uma empresa do ramo do comércio atacadista e sua atividade consistia na aquisição de produtos eletrônicos exclusivamente para fins de comercialização e revenda. Na formulação da consulta, a consulente alegou que precisava de uma frota de veículos para realizar visitas aos seus clientes, de modo a oferecer, demonstrar e vender seus produtos. Por isso, questionou a RFB quanto à possibilidade de apurar créditos de PIS/Cofins sobre aluguéis de veículos.

A resposta da RFB foi negativa sob três argumentos. Em relação ao art. 3º, inciso II das leis Federais 10.637/02 e 10.833/03, a RFB considerou que o conceito de insumo somente é aplicável às prestações de serviços e à produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda, de tal maneira que não haveria de se falar em insumo para uma empresa cujo objeto seja a revenda de produtos.

Já em relação ao art. 3º, inciso IV das leis Federais 10.637/02 e 10.833/03, a RFB entendeu que esse dispositivo limita o direito ao crédito para apenas as despesas de aluguéis de prédios, máquinas e equipamentos, o que não poderia ser interpretado extensivamente para abarcar as despesas com aluguel de veículos.

Ainda em relação ao referido inciso IV, a RFB argumentou que a legislação tributária faz referência distinta a “veículos” e a “máquinas e equipamentos”, de tal maneira que, se a lei quisesse permitir o crédito sobre despesas com aluguel de veículos, faria menção expressa a essa modalidade.

Já na SC Cosit 218/19, a RFB abordou o aproveitamento de créditos de PIS/Cofins sobre despesas com aluguel de veículos à luz especificamente do conceito de insumos. Nesse caso, a consulente era uma empresa cujas atividades envolviam o transporte rodoviário de cargas. Diante disso, na sua resposta, a RFB concluiu que a atividade de locação de bens móveis não é serviço, razão pela qual não poderia constituir insumo para fins de apuração de créditos de PIS/Cofins.

Do que se verifica, a RFB possui entendimento consolidado no sentido de que não é possível a apuração de créditos de PIS/Cofins sobre o aluguel de veículos. No entanto, as consultas foram formuladas por contribuintes com atividades muito distintas às do setor agropecuário e/ou agroindustrial. Sendo assim, não há posicionamentos da RFB especificamente sobre a possibilidade ou não de aproveitamento de créditos de PIS/Cofins sobre o aluguel de caminhões, tratores e máquinas agrícolas.

Nesse cenário, resta inquirir o que seria veículo para fins tributários. A SCI Cosit 5/17 foi formulada exatamente para tratar da “abrangência da expressão ‘veículos automotores’” na legislação tributária, “notadamente acerca da continência ou não de máquinas e equipamentos para construção e para uso agrícola classificados no capítulo 84” da Tipi ou da TEC.

Na consulta, a RFB concluiu que o conceito de “veículos” na legislação tributária i) é o mesmo do CTB, compreendido como “os veículos que circulem por seus próprios meios, transportando pessoas ou coisa, e os veículos que tracionem tais veículos, incluindo os tratores, e estão excluídos os veículos que circulem sobre os trilhos; e ii) pode ser complementado pelas classificações NCM/Tipi, no sentido de que os itens com NCM Tipi 84 são “máquinas e equipamentos” e os itens com NCM/Tipi 87 são veículos, inclusive, os tratores classificados no NCM/Tipi 87.01.

Ou seja, para a RFB, o simples fato de determinado item estar enquadrado no NCM/Tipi 87 (como caminhões e tratores agrícolas) já é suficiente para considerá-los como “veículos”. E, embora algumas máquinas estejam enquadradas no NCM/Tipi 84, se essas possuírem capacidade de deslocamento/movimentação (como algumas máquinas agrícolas), seria possível classificá-las como “veículos”.

Quer dizer, a RFB ignora que um caminhão, um trator ou uma colheitadeira, se colocados dentro do contexto produtivo correto, não possuem apenas a função de veículo, mas sim de maquinário. Tanto é que, embora esses itens possam fazer as vezes de um veículo de transporte, realizando deslocamentos, não é de sua essência que o façam, pois são, na realidade, maquinários voltados à produção agrícola.

Portanto, embora a SCI Cosit 5/17 não seja sobre créditos de PIS/Cofins, é possível concluir, em conjunto com as demais soluções de consulta, que o entendimento da RFB é no sentido de não ser cabível o aproveitamento de créditos de PIS/Cofins sobre o aluguel de caminhões, tratores e máquinas agrícolas.

Esse posicionamento da RFB tem sido enfrentado no Carf. Em dada ocasião, a 1ª turma da 4ª Câmara do Carf considerou que o fato de determinadas máquinas e equipamentos terem capacidade de deslocamento não as tornam veículos comuns, de modo que é possível o crédito de PIS/Cofins sobre seus aluguéis nos termos do art. 3º, inciso IV das leis Federais 10.637/02 e 10.833/03. No caso concreto, a RFB havia glosado os créditos de PIS/Cofins aproveitados por uma empresa mineradora sobre aluguéis de caminhões utilizados na extração mineral.

Em mesmo sentido, a 2ª turma da 3ª Câmara do Carf julgou que, para fins de aproveitamento de créditos de PIS/Cofins sobre as despesas de aluguel do art. 3º, inciso IV das leis Federais 10.637/02 e 10.833/03, o enquadramento de determinado item como “veículo” ou como “máquinas e equipamentos” não depende de sua classificação NCM/Tipi, mas sim de sua inserção e utilização no processo produtivo da empresa. Sob esse entendimento, a 2ª turma da 3ª Câmara do Carf reverteu a glosa de créditos de PIS/Cofins sobre a locação de veículos utilizados na produção agrícola e agroindustrial de uma usina de açúcar e álcool 4.

Conforme posto no referido acórdão, “as máquinas e equipamentos que concedem o direito ao crédito não são apenas aquelas classificadas na Tipi (NCM) nos capítulos 84 e 85, que se refere a “máquinas e aparelhos”, pois diversos bens classificados nos capítulos 86 e 87, que se referem a “veículos”, bem como nos capítulos 88 (aeronaves) e 89 (embarcações), seja pela sua própria natureza ou pelo acréscimo de dispositivos e acessórios que alteram suas características básicas, podem ser considerados incluídos no conceito de ‘máquinas’”. 

Ou seja, sob essa ótica, as definições do CTB ou então a classificação NCM/Tipi não são suficientes para a classificação de determinados itens como “veículos” ou como “máquinas e equipamentos”, devendo ser analisadas também a natureza desses itens e sua inserção no processo produtivo do contribuinte. 

Há interpretações distintas, no entanto. Sobre o tema, a 2ª turma da 1ª Câmara do Carf entendeu que itens arrolados no NCM/Tipi 87 não podem ser enquadrados como “máquinas e equipamentos” para os fins do art. 3º, inciso IV das leis Federais 10.637/02 e 10.833/03. Apesar disso, no mesmo acórdão, a referida turma julgou que o aluguel de alguns desses itens constitui insumo, apto a gerar créditos nos termos do inciso II do mesmo dispositivo, das leis Federais 10.637/02 e 10.833/03. Com isso, a 2ª turma da 1ª Câmara do Carf reverteu a glosa de créditos apurados por uma usina sobre o aluguel de veículos (pás carregadeiras e de transbordo) utilizados para o transporte de insumo da fase agrícola (cana) para a fábrica de açúcar e álcool.

Diante disso, verifica-se que, embora os julgados das turmas ordinárias do Carf sejam em grande parte favoráveis ao aproveitamento de créditos de PIS/Cofins sobre o aluguel de caminhões, tratores e máquinas agrícolas, ainda não há uma unanimidade quanto aos fundamentos legais para tal, resistindo ainda insegurança jurídica em relação a esse procedimento, sobretudo em razão do entendimento contrário da RFB. Ora entende-se que o aluguel desses itens constituiria insumo, ora equipara-se o aluguel de “veículos” ao aluguel de “máquinas e equipamentos”.

Portanto, é possível extrair três conclusões sobre o tema:

Primeiro: a RFB possui entendimento de que os aluguéis de caminhões, tratores e máquinas agrícolas não geram direito ao crédito de PIS/Cofins, pois classifica os caminhões e tratores agrícolas como “veículos” por possuírem NCM/Tipi 87, enquanto que as máquinas agrícolas, embora possuam NCM/Tipi 84, são classificadas como “veículos” apenas por possuírem capacidade de deslocamento/movimentação, nos termos do CTB. Assim, não se aplicam os incisos II e IV do art. 3º das leis Federais 10.637/02 e 10.833/03. 

Segundo: as turmas ordinárias do Carf têm adotado, mais recentemente, o entendimento de que caberia o crédito de PIS/Cofins sobre o aluguel de caminhões, tratores e máquinas agrícolas, pois o enquadramento desses itens como “veículos” ou como “máquinas e equipamentos” não estaria inteiramente condicionado às definições do CTB ou às classificações NCM/Tipi, mas sim à sua utilização no processo produtivo do contribuinte. Embora ainda não haja consenso quanto ao fundamento legal para tal aproveitamento de créditos de PIS/Cofins, se seria o inciso II ou o inciso IV das leis Federais 10.637/02 e 10.833/03, os recentes julgamentos das turmas ordinárias do Carf apontam para a importância de que seja demonstrada a utilização desses itens na produção agropecuária e/ou agroindustrial do contribuinte.

Terceiro e, por fim: a 3ª turma da Câmara Superior do Carf já possui julgados favoráveis ao crédito de PIS/Cofins sobre aluguel de veículos utilizados nos processos produtivos dos contribuintes. Porém, diante do cenário apresentado, é possível que a referida turma seja instada a se manifestar novamente sobre o tema, em razão das especificidades do setor agropecuário e/ou agroindustrial.

Trata-se de matéria de grande relevância e repercussão para produtores rurais e agroindústrias e certamente merece a atenção dos juristas, contadores e profissionais ligados ao ramo.

I - Lei Federal nº 10.637/2002 - Art. 3º. Do valor apurado na forma do art. 2º a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a: (...)

II - bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda, inclusive combustíveis e lubrificantes (...);

IV - aluguéis de prédios, máquinas e equipamentos, pagos a pessoa jurídica, utilizados nas atividades da empresa;

2 Lei Federal nº 10.833/2003 - Art. 3º. Do valor apurado na forma do art. 2º a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a: (...)

II - bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda, inclusive combustíveis e lubrificantes (...);

IV - aluguéis de prédios, máquinas e equipamentos, pagos a pessoa jurídica, utilizados nas atividades da empresa; 

3 Acórdão nº 3401-011.007, sessão de 24/10/2022.

4 Acórdão nº 3302-014.501, sessão de 19/06/2024.

5 Acórdão nº 3102-002.658, sessão de 23/07/2024.

 Marcus Vinicius Stacciarini

Advogado no Celso Cordeiro de Almeida & Marco Aurélio de Carvalho (CM Advogados); graduado em Direito pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FDRP/USP); pós-graduando em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet)

Assuntos Relacionados
Compartilhar

Nossos Apps

Redes Sociais

Razão Social

Rio Grande Artes Gráficas Ltda

CNPJ: 17.771.076/0001-83

JM Online© Copyright 2025Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por