O título dado a este texto é um chiste ao livro de jurista Dworkin, que utilizou a expressão “levando a sério” para nos mostrar que os direitos podem ser controversos entre si e que é mito existir somente uma resposta certa para um caso difícil.
E aqui a referência desta dificuldade é o instituto da renúncia hereditária, ainda pouco conhecido pelo cidadão e por isto pouco utilizado, uma vez que muitos brincam com a impossibilidade de existir alguém que queira renunciar benefícios patrimoniais.
No ordenamento jurídico brasileiro existe duas possibilidades para que ocorra a sucessão hereditária, ou seja: por meio da determinação legal ou através de testamento.
Na primeira hipótese é a legislação que elenca aqueles que devem suceder em caso de falecimento do proprietário do patrimônio e na segunda é o testador que enumera os beneficiários da sucessão. Por obvio que existe limitações quanto a liberalidade a ser exercida através da disposição de última vontade – o testamento – pelo detentor do patrimônio.
E no que diz respeito a esta autonomia, podemos afirmar que a existência de certa categoria de herdeiro restringe esta possibilidade. Explico: a existência de descendentes (filhos) ou ascendentes (genitores) ou cônjuge, assegura que a metade do patrimônio pertence a estes e não pode ser disponibilizada por meio do testamento; logo, apenas a outra metade poderá ser deixada a quem o testador elencar por bem em ser herdeiro testamentário.
Existe uma polêmica com relação a ser ou não o companheiro herdeiro necessário, haja vista as decisões conflitantes da Corte Uniformizadora e da Corte Constitucional.
Pois bem, vamos a práxis...
Aquele que é herdeiro legal ou herdeiro instituído poderá exercer o direito de não querer receber a herança, que lhe foi conferida pela lei ou pelo testamento. Vale dizer que deve sempre ser assegurado o exercício desta liberalidade pelo herdeiro.
Muitos são os doutrinadores que hoje entendem ser possível a renúncia mesmo antes de acontecer o falecimento do detentor do patrimônio. E podemos observar a renúncia feita em pactos antenupciais firmados entre futuros cônjuges, que não só preve o regime de bens, mas também quando ocorrer o falecimento de um dos cônjuges o outro cônjuge sobrevivente não exerceria o direito de herdar uma vez que renunciou antecipadamente.
Outra possibilidade e que chegou para julgamento na Corte Superior, foi a renúncia imposta a uma filha, quando de seu reconhecimento da relação de paternidade, em uma verdadeira “transação”, pois recebia uma indenização e via de consequência renunciaria ao seu direito de herdar a cota parte no patrimônio de seu pai.
Apesar do acordo haver sido homologado, pressupondo validade e exequibilidade, a lei civil brasileira é taxativa em proibir que seja objeto de contrato a herança de pessoa viva, denominado de pacto corvina. Restando caracterizado como nulo, absolutamente nulo o negócio jurídico que tiver este objetivo.
Não se pode haver a renúncia antecipada a herança se nem sequer houve o falecimento. Pela mesma forma não existe expectativa de herança de pessoa viva, no caso ora em comento a filha é herdeira necessária e por via de consequência tem seu quinhão garantido constitucionalmente.
A permissão legal é de que com a sucessão testamentária o seu quinhão seja reduzido, dentro da respectiva parte assegurada pela lei, mas nunca excluído totalmente, sem justificativa que caiba a deserdação.
A lei determina quais são os pressupostos para que ocorra a renúncia; dentre eles o falecimento de alguém, a comprovação da legitimidade de herdeiro e a renúncia só pode ser feita expressamente.
Tanto isto é verdade, que em caso de algum herdeiro não se habilitar no processo de inventário, o responsável pelo seu desenrolar – o inventariante – deve requerer ao juiz do feito que intime este beneficiário faltante para se manifestar, dentro do prazo legal. E se mesmo assim o coerdeiro não comparecer ao chamado judicial será considerado que aceita a herança. O que sem sombra de dúvidas configura aceitação presumida da cota parte que lhe cabe.
Atente-se, a presunção opera positivamente.
De outro norte, a renúncia segue exigindo como pressuposto o fato antecedente – a morte no olhar da nossa Corte Superior.
Assim, nada mais prudente do que a consulta técnica ao causídico para que analisados os fatos existentes e cumpridos os pressupostos do instituto da renúncia, ela possa ser adequada ao caso concreto, sob pena de ao depois ser declarada nula qualquer transação que implique a renúncia do direito que caiba ao herdeiro.
Dra. Mônica Cecílio Rodrigues – advogada, doutora em processo civil pela PUC-SP e professora universitária.