A coroa espanhola criou a Universidade do Peru em 12 de maio de 1551, em Lima, e a Universidade Santo Tomás, em 1580, em Bogotá, Colômbia, o que nos permite concluir que a coroa espanhola foi menos colonialista e menos extrativista que a portuguesa, pois essa somente criou, em 1808, a Faculdade de Medicina em Salvador (BA), quando Dom João VI, fugindo das tropas de Napoleão, chegou ao Brasil.
O antigo Hospital Escola (HE) manteve, de modo oficioso, as especializações em clínicas Médica e Cirúrgica, Pediatria (no Hospital da Criança) e Ginecologia/Obstetrícia, de 1972 a 1979. Porém, o Diretor Clínico do HE, professor José Fernando Borges Bento, em 1979, me comunicou que em 1980 seriam criadas, oficialmente, essas residências médicas pelo MEC (“lato sensu”) e se eu tinha interesse em criar também a residência de Anestesiologia. De imediato aceitei, embasado nos argumentos abaixo:
o Brasil-Colônia não possuía densidade científica para criar o curso médico em 1808, mas prevaleceu a decisão política. “Para iniciar uma longa caminhada é necessário dar o primeiro passo”. Dom João VI deu o primeiro passo, que foi dado também pela Anestesiologia da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM);
2- a criação da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro (FMTM) surgiu após o “quebra-quebra” das coletorias do Estado, em abril de 1953, pois fiscais estaduais vigiavam as entradas e saídas de Uberaba, exigindo nota fiscal do que era comprado na cidade ou trazido da zona rural. Juscelino Kubitscheck, então governador de MG, desejando ser candidato a presidente da República, para amenizar os ânimos exaltados, criou na FMTM, o segundo curso de Medicina fora das capitais, pois o primeiro foi o de Ribeirão Preto (SP). Na época, Uberaba não tinha densidade científica para a criação desse curso. Prevaleceu a decisão política;
3- os cursos de Medicina criados na década de 1960, nas cidades de Uberlândia, Itajubá e Pouso Alegre, tiveram a participação efetiva de professores da FMTM, a fim de serem implantados, pois as referidas cidades não tinham densidade científica, mas prevaleceram as decisões políticas;
4- a conclusão destes três argumentos: se cursos médicos foram criados sem condições iniciais adequadas, por que não criar a residência em Anestesiologia, que tinha as condições mínimas de um bom funcionamento e também possuía bons profissionais? Naquela época, os procedimentos cirúrgicos eram, em sua maioria, de média e de baixa complexidades, inclusive, nas capitais. Os nossos aparelhos eram simples, mas eficazes e condizentes à época, para a realização das anestesias gerais. Ressalto que houve resistência por parte de colegas que disseram “você vai formar esses meninos, que depois vão furar os seus olhos”. Respondi: “nós somos temporários, mas a FMTM é permanente”. Assim, entendi porque outras especialidades demoraram tanto a criar as suas residências médicas dentro da FMTM;
5- em 1987, iniciou a pós-graduação (PG) “stricto sensu” na FMTM. Houve professores que se manifestaram contra, alegando “enquanto houver falha na graduação, a PG não pode ser implantada”. Mas os frutos colhidos com a PG foram vistos em 1997, quando o curso de graduação da FMTM ficou em quinto lugar no Brasil, segundo o “ranking” da Folha de São Paulo, comprovando que a PG melhorou a graduação.
Em 2023, a residência em Anestesiologia completa 44 anos, com a formação de quase 200 profissionais, distribuídos por todo o Brasil, cumprindo seu papel científico, social e econômico.
Conclusão: “A maior força do mundo é a força de vontade”, citada por Albert Einstein, mas quando associada à política, arte de realizar o possível visando o bem comum, permite realizações sociais importantes e necessárias. Se esperássemos critérios técnicos plenos para criar cursos, o tributo a ser pago seria o atraso da sociedade. Porém, há ressalvas, pois o que foi relatado, com base apenas em decisão política para criar cursos, ocorreu há tempos, não mais se justificando. A prova: o curso de Medicina da Uniube, após criterioso projeto, elaborado pelo professor Edison Reis Lopes, comprovando bases técnicas e densidade científica, foi criado no final do século passado em Uberaba.
Nilson de Camargos Roso
Doutor em Anestesiologia, professor aposentado pela UFTM