ARTICULISTAS

A decisão intempestiva de um diretor

Nilson de Camargos Roso
n.roso@me.com
Publicado em 06/10/2023 às 18:32
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Em junho de 1989, houve o último debate entre os dois candidatos à Direção da FMTM, ocorrido em uma sexta-feira no Salão de Vidro do Uberaba Tênis Clube. Eu era o diretor e presidente da Comissão Eleitoral. Ao chegar ao Salão de Vidro, antes do debate, vi colocado em cada cadeira um manifesto dos alunos do Diretório Acadêmico Gaspar Viana (DAGV). Era uma folha A4 e o texto era “Democracia, por favor. Há muito tempo a FMTM vem sendo regida sem democracia. Professores de 40 horas semanais que não aparecem. Professores em Dedicação Exclusiva (DE) que não deixam seus consultórios”.

Terminado o debate, usei a palavra nos seguintes termos: “neste momento, não falo como presidente da Comissão Eleitoral, mas como diretor da FMTM. Entre as minhas falhas pode ser encontrada a incompetência, ou seja, a incapacidade de fazer o certo, mas não se encontra a omissão. Tenho em mãos uma denúncia do DAGV. Vou encaminhar à Procuradoria para abrir sindicância”.

Uma conhecida quintanista de Medicina usou a palavra: “Dr. Nilson, não faça nada por enquanto. Estamos levantando os nomes dos pacientes e as xerocópias das receitas médicas prescritas pelos professores em DE que atendem consultório. Assim que lhe entregarmos essas xerocópias, o senhor poderá abrir investigação”. Coube-me concordar e aguardar. Porém, no sábado, a primeira página do Jornal da Manhã trazia, em letras garrafais, a transcrição do panfleto do DAGV: “alunos da FMTM denunciam irregularidades”.

A promessa dos alunos de me entregar primeiro as provas não foi cumprida, pois, acredito, foram impulsionados por professores interessados, onde o aluno se expõe (é a ponta da lança que fere), mas quem comanda a ponta é quem maneja o cabo (interessados, que não se expõem). Todos nós, brasileiros, comentamos que “ninguém quer apurar fatos graves denunciados”, o que me motivou a apurar a denúncia. Em decorrência, com “sede de justiça”, instintivamente, às 8h da segunda-feira, despachei com o procurador da FMTM, Adilson José de Oliveira, entregando a ele a folha A4 com o carimbo do DAGV e o exemplar do jornal, solicitando apuração.

Às 14h, recebi de outra conhecida acadêmica de Medicina três nomes de professores em DE que atendiam consultório, solicitando “que o diretor apurasse e não ficasse apenas na retórica”. Enviei a ela a solicitação que fiz ao procurador às 8 horas. Era época pré-eleitoral e a oposição dizia “o diretor não vai apurar nada”. Quando foi instalada a apuração, a oposição disse: “viram o que o diretor fez com seus próprios colegas?” Nos depoimentos dos professores denunciados:

– um disse: “sou psiquiatra e muitos pacientes dependem de mim e não tenho como deixar de atendê-los”. Foi réu confesso;

– outro disse: “sempre atendi nas minhas férias e nas minhas licenças, pois acreditei que podia”. Também foi réu confesso;

– o terceiro, sabidamente transgressor há muitos anos, simplesmente negou, negou e negou.

Enfim, os que foram sérios e sinceros, em boa fé, pois os alunos não apresentaram as provas, foram punidos, devolvendo o montante que receberam em DE, além de voltar a receber como em 40 horas semanais. O terceiro, ardiloso, nada devolveu e se aposentou em DE. Como vemos, o Brasil de ontem é parecido com o Brasil de hoje.

O tempo traz amadurecimento e reflexões. A conduta a ser tomada por mim DEVERIA estar baseada no despacho abaixo, que não fiz: 
“O diretor da FMTM tem um cargo administrativo, é um ‘caixeiro-viajante’, com finalidade de trazer apoios científico e financeiro. Os responsáveis pela marcação da presença ou ausência de professores nas suas atividades são os administradores da docência: chefes de Departamentos e chefes de Disciplinas. Encaminho, para as devidas providências, a referida denúncia dos alunos aos respectivos Departamentos e Disciplinas”.

Fui intempestivo. Se tivesse despachado da maneira correta:

– possivelmente os dois professores, admirados e queridos por todos, não teriam sido punidos;

– eu não teria o desgaste político, pois a oposição não queria esclarecer o fato, mas sim explorar o fato.

Os mais jovens, com frequência, são sabedores das regras, mas são os idosos que conhecem as exceções. Em 1989, eu era jovem. Hoje sou um senescente.

Nilson de Camargos Roso
Doutor em Anestesiologia, professor aposentado pela UFTM
n.roso@me.com

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