NILSON ROSO

A servidora da Biblioteca “exemplou”

Nilson Roso
Publicado em 03/02/2023 às 17:22
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Era o ano 1.988. Fui à agência do Banco do Brasil, que ficava à esquerda para quem saía do então Hospital Escola, na Avenida Getúlio Guaritá. Estando dentro das dependências do Banco, fui abordado pelo gerente da agência. Este pediu que eu interviesse, como Diretor da FMTM, sobre uma situação que havia se tornado repetitiva. Disse-me ele “com frequência uma servidora me procura, pedindo que eu “segure” um cheque dela, fato este ocorrido quase todas as semanas”.

Enfim, pediu-me que tomasse as necessárias providências, pois não havia como “segurar” cheque sem fundo. Respondi ao gerente que eu nada poderia fazer. Hoje, com definições legais mais aprofundadas, caso eu fosse advertir ou simplesmente falar com a servidora sobre o assunto, certamente eu teria cometido um ASSÉDIO MORAL, além de transgredir a Lei Geral de Processamento de Dados, já vigente. Passados alguns meses, recebi o resultado de uma sindicância, motivada por aquela referida servidora, que trabalhava como caixa no setor de xerocopias da Biblioteca.

Fundamentação do caso: esta servidora, ao repassar o recebimento do caixa à colega que a substituía, disse a esta que havia retirado um valor do caixa, que seria hoje aproximadamente R$100,00, mas que substituiu o valor, que foi retirado em espécie, por um cheque seu de idêntico valor. A servidora que a substituiu, ao final do seu horário de trabalho, fez a contagem do montante recebido, mas percebeu que faltou exatamente aquele valor do cheque, pois não encontrara este. Esta situação foi levada à chefia da Biblioteca, que determinou a realização da sindicância.

A comissão de sindicância concluiu que o caso deveria ser arquivado, pois não havia encontrado elementos para indiciar a pessoa responsável. Como sempre fazia, procurei analisar os dados colhidos pela sindicância, folha por folha.

Aquela servidora em questão, no seu depoimento, afirmou que se o seu cheque desaparecera, ela não era a responsável, mesmo porque no futuro qualquer coisa que desaparecesse, iriam responsabiliza-la. Porém, no depoimento, ela declarou que havia sustado no Banco o referido cheque. Ora, ficou claro, não propondo a reposição financeira, ela lucraria com a situação, em prejuízo do poder público, que não recebera o devido valor pelos serviços prestados aos usuários da Biblioteca pública da FMTM.

Assim, em antagonismo ao parecer da comissão de sindicância, despachei: “indicio a referida servidora, baseado no seu próprio depoimento, pois retirou o valor em espécie, repôs com um cheque pessoal, que não foi encontrado, mas foi sustado junto ao Banco”. A referida servidora se tornou ré, devido ao meu parecer. Após a ocorrência de todo o devido processo legal, a servidora foi julgada culpada. A proposição da comissão foi “suspensão do seu trabalho por um período mínimo de 01 dia e no máximo por 29 dias”. Como eu era jovem, e o jovem tem a mão mais pesada, decidi pela suspensão por 29 dias. Passados alguns meses, esta servidora entrou com recurso, alegando ser inocente.

O caso foi à Justiça Federal que, meses antes, iniciara seu funcionamento em Uberaba porque, até então, os representantes legais da FMTM eram obrigados a irem a Belo Horizonte, onde toda a Justiça Federal era por lá despachada. O primeiro local de funcionamento da Justiça Federal em Uberaba foi em uma sala do Edifício Elvira Shopping, na Praça Rui Barbosa. No dia da reunião, a FMTM foi por mim representada e pelo então Procurador, Adilson José de Oliveira. A servidora presente estava assistida por um advogado e uma advogada.

Solenemente o Juiz abriu a sessão dizendo: “esta servidora está sendo acusada de ter subtraído um bem da União. Existem apenas 02 alternativas: ou ela subtraiu ou não subtraiu. Se subtraiu, ela tem que ser exonerada. Se não subtraiu, ela não pode ser punida. Proponho às partes um termo de conciliação. Será elaborado um documento pela Direção da FMTM constando que esta servidora não tem nada que a desabone no serviço público e este documento será publicado no Diário Oficial da União”. Então me dirigi ao Juiz, dizendo: “Excelência, esta servidora já foi punida, ficando 29 dias sem trabalhar e, consequentemente, sem receber”. O Juiz, de uma maneira brusca e repentina, falou gritando: “estamos aqui fazendo uma conciliação e o senhor não entendeu minha proposição. A sessão está suspensa por 10 minutos para que as respectivas partes se entendam”. Fora da sala do Juiz, no corredor, conversando com o Procurador, expressei a este a minha opinião sobre aquela decisão inesperada e inusitada do Juiz, acreditando que este, percebendo que a servidora, já cinquentenária e próxima a se aposentar, teve um sentimento de compaixão pela mesma, pois haviam evidências que poderiam exonera-la. Adilson e eu concordamos com a solução proposta pelo Juiz. Evidentemente a servidora também concordou. Meses após este acontecimento, fui abordado novamente pelo gerente do Banco do Brasil, que me disse “não sei o que aconteceu, mas aquela servidora nunca mais deu um único cheque sem fundo”. Fiquei calado, mesmo porque a servidora tinha “exemplado”.

 Nilson de Camargos Roso

Doutor em Anestesiologia, professor aposentado pela UFTM

n.roso@me.com
 

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