Consta que, se colocarmos água em temperatura normal numa panela e colocarmos o sapo dentro, este lá permanece. Se aquecermos a água na panela até a fervura e colocarmos o sapo, este salta, saindo chamuscado, mas vivo. Porém, se colocarmos o sapo dentro da panela com a água em temperatura normal e levarmos ao fogo, inicialmente muito brando e formos aquecendo lentamente, até chegar ao ponto da fervura, o sapo morre, no caso, cozido. A explicação: a alteração da temperatura da água foi aumentando tão lentamente e por um tempo prolongado que o sapo foi incapaz de perceber o fato grave que o levaria à morte.
Este preâmbulo é para dizer que as atuais situações sociais, políticas e econômicas do Brasil se assemelham à condição do sapo cozido: como foram ocorrendo de modo lento e progressivo, terminaram fazendo o cozimento do cérebro do brasileiro, tirando dele a capacidade de saber a diferença entre o certo e o errado, o que o impede de analisar, interpretar e julgar os fatos, pois logo que o fizer receberá o rótulo de defensor da ideologia A ou B, impedindo ser feito o diagnóstico com prudência e assertividade. Preocupo-me com duas situações, uma nacional e outra local, devido ao cozimento do nosso cérebro.
NACIONAL: não consigo explicar à minha neta de 13 anos:
1- como um cidadão condenado em três instâncias por nove juízes pôde se candidatar e ser eleito Presidente da República;
2- se até o Paraguai instituiu o voto auditado (digite https://youtu.be/3WA5R_qdty8 ou digite “Paraguai usa urna eletrônica que imprime comprovante de voto”) e o Brasil, não o adotando, teve como consequências relacionamentos radicais e atos nada democráticos, que seriam evitados se houvesse a transparência, tão bem citada por Ayres Brito, ex-ministro do STF: “a transparência é como a luz solar, trazendo a luminosidade e a democracia”.
LOCAL: escrevi o texto “o que é mais importante: a vida humana ou a obediência ao protocolo?”, publicado dia 14 passado neste jornal. Como somente aceitam pacientes no Pronto Socorro (PS) do Hospital de Clínicas (HC) trazidos por ambulância ou pacientes que venham encaminhados da UPA, uma situação antiga, eu também a comparo à Síndrome do Sapo Cozido, porque:
1- existe uma ordem da administração do HC para tal conduta;
2- mortes teriam sido evitadas se a opção fosse pela segurança do paciente, e não a opção para obedecer ao protocolo, com enorme perda de TEMPO para o atendimento ao paciente;
3- houve o cozimento do cérebro dos responsáveis por tais atos, pois são antigos e repetitivos e os subordinados cumprem as ordens, mas se sentem pressionados para obedecerem;
4- como “ninguém muda o modo de agir e de pensar enquanto é forte”, a mudança somente ocorrerá quando os promotores públicos, federais ou estaduais se interessarem pelo tema, pois “se julga um fato pelo conjunto da obra”.
É conhecida a expressão “quem desdenha o passado está condenado a repeti-lo”. O passado narra que há cerca de duas décadas, quando o médico J.M.F. estava em frente do PS do HC, chegou um paciente necessitando de atendimento. Como o PS estava completamente cheio, inclusive sem macas, o colega solicitou à família que o levasse para outro hospital. Porém, quando chegou ao hospital, o paciente já havia falecido, o que comprova que o TEMPO é o fator que pode salvar a vida. Foi o que ocorreu com A.M.C. em 23.11.2021 e, também, com J.C. no início de junho de 2022, citados no primeiro texto que publiquei, onde houve o “TURISMO DA MORTE”, ou seja, paciente próximo de recursos médicos diferenciados para alta complexidade, sendo encaminhados para setores de atendimento de menor complexidade, para depois retornarem, falecendo. A família entrou com ação em prejuízo de J.M.F. junto ao Ministério Público, que municiou o Judiciário, gerando inclusive, após alguns anos, julgamento do colega em JÚRI POPULAR. Não se pode afirmar que o câncer seja oriundo do estresse, mas o colega se tornou canceroso. Peter Drucker dizia: “aprender com os próprios erros é muito romântico, mas aprender com os erros dos outros é mais rápido, eficaz e produtivo”. Eu acrescento: “e sem sofrimento”.
Tive conhecimento da resposta da administração do HC ao meu texto, na qual citam a importância do serviço prestado aos 27 municípios pelo HC. Permaneci no HE (Hospital Escola) e no HC por 43 anos. Todos sabemos da importância do serviço prestado. Porém, uma boa administração não espera que os casos sejam APENAS encaminhados à Ouvidoria, pois a isso se chama administrar com papéis, e sim faz a busca ativa nos diversos setores. Citei casos de morte que poderiam ter sido evitadas (fator TEMPO), mas me alegro com a possibilidade futura, junto à SMS, da mudança do protocolo, pois relembro Martin Luther King: “a mim não interessam as leis (normas), mas sim me interessa o que pensam os seus intérpretes”. Enfim, o texto da resposta da administração do HC apenas confirmou que “obedecer friamente ao protocolo é mais importante que a vida humana”. Enquanto o soldado raso está no “front” da batalha, trocando tiros, arriscando sua vida, o general assiste à guerra pelo drone ou pelo satélite. O médico, assistindo o paciente, equipara-se ao soldado raso, e os responsáveis pela saúde se equiparam aos generais, onde têm notícias por terceiros, pois nunca estão no local do atendimento. Caso haja ação futura acatada pelo Ministério Público, acredito que o médico atendente será indiciado, mas espero que a administração do HC assuma, perante o juiz e o promotor, o ônus dos fatos, dizendo: “a responsabilidade é do HC e o médico apenas cumpriu o que foi ordenado a ele”.
P.S.: desejo ao meu país e à minha cidade dias melhores. Minhas ações para alcançar tal fim me obrigam a “levantar templos à virtude e cavar masmorras ao vício”.
Nilson de Camargos Roso
Doutor em Anestesiologia, professor aposentado pela UFTM
n.roso@me.com