Em 1980, como presidente da Sociedade de Medicina e Cirurgia de Uberaba, fui convidado pela Academia de Letras do Triângulo Mineiro para assistir a uma palestra com o lançamento de um livro. Local: sala do júri no Fórum Mello Viana. Título do livro: “A violência está em toda parte”. O autor: Antônio Édson Deroma, uberabense radicado em Belo Horizonte, delegado de carreira da Polícia Civil, graduado na International Police Academy, Washington, DC, e no Bureaux de Narcóticos, FBI. A sessão foi aberta pelo presidente da Academia, que dissertou sobre o histórico e a importância da mesma. Estavam presentes o arcebispo Dom Benedito de Ulhôa Vieira, assim como o arcebispo aposentado Dom Alexandre Gonçalves do Amaral, que abordou a criação e o papel da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Por último, Deroma, com o livro de sua autoria na mão, disse:
“A violência está em toda parte, sendo menos frequente nos povos mais evoluídos, mas com alta prevalência no nosso meio. Tivemos conhecimento recente de um adolescente de 12 anos, com histórico de dois assassinatos, perambulando pelas ruas de Belo Horizonte, vendendo cocaína acomodada em uma Bíblia de fundo falso. Faço as perguntas: é possível recuperar esse jovem? Qual o seu futuro? Com o devido respeito às autoridades eclesiásticas presentes, serei otimista. Talvez recuperemos um em cada 1.000 desses jovens”. Essa colocação forte causou um mal-estar, demonstrado pela expressão facial dos presentes, pois, pela formação cristã que temos, acreditamos na recuperação de um ser humano.
O tempo passou e estamos em 2024. Decorreram 44 anos e os índices de criminalidade aumentaram em nossa sociedade. Entendo que vários fatores impedem o desenvolvimento de nossa sociedade, podendo ou não aumentar a violência:
1- alta evasão escolar;
2- ausência de currículo escolar adequado, pois “o melhor currículo é o próximo a ser implantado”;
3- permissividade, que aprova igualmente o bom e o mau aluno;
4- metade da nossa população tem quociente de inteligência abaixo de 87%;
5- ineficácia de políticas públicas, sempre aumentando o número de beneficiários do Bolsa Família, o que torna a família refém do programa, impedindo que “pesque o próprio peixe”.
Fatos que facilitam o aumento da criminalidade:
1- leis punitivas frouxas, em que “o menor rouba o celular para tomar sua cerveja e comer picanha”;
2- ausência de ressocialização do preso por condições inadequadas nas penitenciárias;
3- desvio da verba do Fupen (Fundo Penitenciário Nacional), pois dos R$500 milhões anuais destinados à recuperação e a construção de novos presídios, Guido Mantega, ministro da Fazenda, utilizava 84% desse valor para pagar juros das dívidas do país;
4- o país lidera o ranking mundial anual de homicídios em números absolutos (dos 458.000, 10,4% são no Brasil), assim como alto índice de mortes de policiais.
O Brasil de hoje tem indicadores de criminalidade piores que de 1980, dando razão ao nome do livro de Deroma. Antigo ditado chinês apregoa “o exemplo deve vir de cima”. Porém, se as leis são frouxas, se há inseguranças jurídica e política, como esperar que “os exemplos venham de cima?”.
P.S.: empresa de Uberaba quis fechar pacote de dez pessoas para curso de imersão de Inglês em julho em Londres. Conseguiu apenas seis, mas fechou um pacote de 90 pessoas para férias de julho em Orlando, EEUU. É mais fácil passear do que estudar, mas esse fato mostra o atual perfil do brasileiro.
Nilson de Camargos Roso
Doutor em Anestesiologia, professor aposentado pela UFTM
n.roso@me.com