Sou médico de formação, e não um profissional da área do Direito, mas me atrevi a escrever este texto quando me lembrei daquele princípio “se você perdeu dinheiro, perdeu pouco; se perdeu a honra, perdeu muito; se perdeu a coragem, perdeu tudo”, pois poucos cidadãos se exporiam ao abordar o que se segue abaixo.
A pergunta que dá o título ao texto, em princípio, traduz uma obviedade: do analfabeto ao intelectual, todos sabem que a tentativa de homicídio é menos grave, menos danosa, visto que a vida da vítima foi preservada, o que confere ao réu uma penalização menor do que se a morte ocorresse.
Os seguidores de Bolsonaro, envolvidos na “suposta trama de 8 de janeiro de 2023”, têm recebido fortes penalizações e as supostas ações criminosas são descritas no tempo condicional chamado futuro do pretérito (condicional simples (como “ia”) ou composto (como “teria ido”), onde se descreve um fato imaginário ou não realizado, um pedido, um conselho, uma notícia não confirmada, ou a expressão de um desejo). A dosimetria das penas aplicadas nada ficam a dever, como se a morte houvesse ocorrido. Explico: a “tentativa de golpe” foi tratada como “golpe”, o que equivale a aplicar as penalizações da tentativa de homicídio como se ocorresse homicídio.
Fato idêntico ocorreu com o então deputado federal Deltan Dallagnol, onde o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Paraná arquivou uma ação judicial contra ele, mas o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a desarquivou, alegando que o deputado “não foi”, mas “poderia” (tempo no condicional) ter sido condenado no TRE, cassando seu mandato de deputado.
Um fato oposto ocorreu em agosto de 2022, onde o deputado federal André Janones teve seus direitos políticos cassados por oito anos pelo TRE de Minas Gerais. Recorrendo ao TSE, Janones foi reabilitado, tendo sido reeleito. A conclusão para essa situação tão díspar é do leitor.
Após a eleição de Lula, José Múcio, já indicado como ministro da Defesa, teve carta branca pelo governo de Bolsonaro para estruturar o futuro Ministério da Defesa, sem qualquer resistência ou questionamento. Há, pois, dois aspectos importantes: o fato da transição pacífica do poder das Forças Armadas e o “suposto golpe”, pensado, mas não efetivado. O “golpe”, se realizado, somente seria possível antes da transferência do poder das Forças Armadas, o que não ocorreu, ficando o golpe como tese do STF.
Em 2019, cidadãos se manifestaram nas ruas do Chile, com protestos generalizados contra a desigualdade, conhecidos como “estallido social”.
Essas manifestações foram reprimidas violentamente pelo então governo de direita de Sebastián Piñera. Cerca de 30 pessoas morreram e 400 ficaram gravemente feridas por balas de borracha, o que traduz um fato grave, consistente, muito diferente do 8 de janeiro em Brasília.
Após a posse do novo presidente do Chile em março de 2022, Gabriel Boric, líder estudantil de esquerda, concedeu indulto a 12 pessoas ligadas aos protestos generalizados. A lista dos indultados inclui pessoas de 21 a 38 anos envolvidas em vários crimes, como saque, roubo, manuseio de coquetéis Molotov e outros, muito diferentes do crime do batom (o inesquecível “perdeu, Mané”, que gerou prisão da cabeleireira por 14 anos).
Disse Boric: “é uma decisão difícil, mas que tomo pelo bem da pátria. Temos que curar essas feridas, vivemos um processo que foi tremendamente complexo, e estes são jovens que não são delinquentes”, afirmou o presidente chileno.
Nascido em 11 de fevereiro de 1986, Boric assumiu o governo aos 36 anos. Embora jovem, teve atitude admirável, pacificadora e prudente, muito diferente das decisões dos senescentes do STF e do TSE, onde condenam os vândalos e anarquistas do 8 de janeiro como pessoas de alta periculosidade, que não portavam canivetes e nem estilingues.
Boric, mesmo perante os fatos graves, indultou e trouxe a paz social. O binômio STF/TSE, usando o tempo condicional do verbo, transformou desejos em fatos, mas se esqueceu de colher depoimento do general G Dias, da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), que distribuiu água, conforme vídeo, para aqueles que chegavam ao interior do prédio público invadido, e lamentamos o fato de o ministro da Justiça, Flávio Dino, ter “perdido” os vídeos esclarecedores dos momentos mais críticos da invasão do 8 de janeiro.