São frequentes as críticas às nossas autoridades pela falta de transparência e de democracia em suas decisões. Curioso: antes de assumirem o poder, elas criticam a falta de transparência e de democracia daquelas que as antecederam mas, ao assumirem o poder, se esquecem das suas críticas e agem exatamente como seus antecessores e, ao deixarem o poder, voltam às críticas aos poderes constituídos.
Após o exercício do poder, surge o pós-poder, onde o ex-governante descobre que deveria, no exercício do cargo, ter implantado ações que perpetuassem a transparência e a democracia nas gestões futuras. Parece que o exercício do cargo e o assento na cadeira das decisões promovem o surgimento da vaidade e da soberba, causando uma cegueira da visão de futuro, impedindo que haja as devidas correções nas instituições.
O melhor exemplo de quem, no exercício do poder, promoveu a garantia da transparência e da democracia nas futuras gestões, foi George Washington, então primeiro presidente dos Estados Unidos da América (EUA) pois, ao promulgar a primeira Constituição de seu país em 17 de setembro de 1787, disse a frase secular “fizemos uma Constituição que vai proteger o cidadão contra o governo.” Ora, no momento dessa frase, George era o Presidente, era o governo, exercendo plenamente o poder, mas ele sabia que tempos depois ele seria um simples cidadão, sem poder e sem capacidade de influenciar na decisão. Por isso, no exercício do poder, instalou artigos na Constituição, protegendo o cidadão e minimizando o poder de intervenção do governo. Enfim, essa Constituição, que começa com a expressão “we, the people”, permitiu que cada americano pudesse trabalhar sem as amarras e dificuldades criadas pelo próprio governo, permitindo, através do trabalho e da consequente riqueza criada por cada um dos cidadãos, transformar os EUA no país mais rico do mundo.
Dois séculos após essa frase, outro presidente, Ronald Reagan (1981-1989), completou o pensamento de George Washington: “não pense que o governo seja a solução, pois o governo é o problema.” Certamente Reagan deixou claro que “os benefícios trazidos pelo governo são limitados mas os malefícios que ele pode fazer são ilimitados.” Se o todo equivale à soma das partes, o trabalho de um país equivale à soma do trabalho individual de cada cidadão. Houve a valorização e emancipação do cidadão americano para trabalhar, sem a importunação do governo, trazendo meios do cidadão cobrar transparência e democracia do governo.
O poder tem dois períodos: o de glória, durante o exercício, e o de esquecimento, no pós-poder. É necessário estar preparado para assumir e para deixar o poder. Aquele que está no exercício do poder se vê cercado de muitas pessoas que se dizem suas amigas, mas quando está fora do poder, desaparecem. Daí, os amigos serem reconhecidos pela quantidade quando se está no poder e pela qualidade quando se deixa o poder. É uma boa norma manter a cabeça sempre no mesmo lugar, antes, durante e após o período do exercício do poder, pois se o cargo subir e embotar a cabeça, haverá escurecimento das ideias e dos pensamentos, com consequentes decisões nada democráticas.
Juscelino Kubitscheck (JK), ex-presidente do Brasil, foi muito popular e dotado de enorme inteligência emocional (que falta aos dirigentes do nosso país nos dias atuais), o que lhe permitiu iniciar e terminar seu mandato.
Após sua cassação pelo governo militar, já no pós-poder, assisti duas entrevistas dele:
1- ao caminhar pela calçada de uma das ruas do Rio de Janeiro, avistou, a cerca de 50 metros, caminhando ao seu encontro, um amigo dos bons tempos mas que, ao avistar JK, abaixou a cabeça e atravessou a rua, indo caminhar na calçada oposta, evitando o encontro, fato que não ocorreria se não houvesse a cassação;
2- era noite e JK retornava em pequeno avião do interior de Goiás, quando o piloto, sobrevoando Brasília e, após identificar que transportava o ex-presidente, pediu preferência de pouso, pois o combustível estava acabando.
No entanto, a torre do aeroporto não respondeu ao pedido e as luzes da pista foram apagadas. Através de comunicação com um rádio amador, pousou em estrada de terra em Luziânia, onde automóveis perfilados iluminaram a pista.
Estes relatos demonstram que o período de pós-poder de JK foi muito evidente, mais que agressivo, onde procuraram extirpa-lo da vida pública.
Durante meu primeiro mandato frente à FMTM testemunhei um fato do pós-poder quando visitei a então Escola Paulista de Medicina, hoje UNIFESP, dirigida na época pelo colega médico Nader Wafae, que se encontrava em fim de mandato. Dentro do gabinete dele, eu disse “Nader, esse fim de mandato é desagradável, não é mesmo?”, que respondeu “principalmente quando se perde a eleição pois, hoje, nem minha secretária me cumprimenta.” Raros são os aplausos para aqueles que deixam o poder, pois geralmente são aplaudidos os que se iniciam.
As práticas da democracia e da caridade são muito faladas e pouco vistas. Por isso, alerto aos administradores públicos ou privados: instalem a democracia nas suas instituições durante o poder, pois no pós-poder o único fato certo que irá ocorrer é o seu esquecimento pelo povo.
Nilson de Camargos Roso, Doutor em Anestesiologia, professor aposentado pela UFTM, n.roso@me.com