A gratidão é um sentimento que nos leva a reconhecer e a valorizar fatos positivos acontecidos conosco e com as pessoas que estão próximas a nós. É o reconhecimento de uma pessoa por alguém que lhe prestou um benefício, um auxílio, um favor. Ao longo da minha vida, observei pessoas simples e humildes que deram lições de convivência e de urbanidade, onde cresceram as flores da gratidão, o que contrasta com o comportamento dos reis ou daqueles que se sentem reis, pois nestes não vimos nos seus jardins as flores da gratidão. Exemplos de gratidão que me marcaram:
PRIMEIRO EXEMPLO: há cerca de um ano, anestesiei uma senhora de pouco mais de 30 anos para a retirada de seu útero. Antes da anestesia, dentro da sala de cirurgia, fiz as perguntas necessárias para realizar o ato anestésico, mas, de repente, a paciente me interrompeu, sorrindo, e me disse: “sou paraplégica, pois fui atropelada e um carro passou por cima de mim, fraturando minha coluna. Mas, mesmo assim, paraplégica, Deus não Se esqueceu de mim e me deu uma linda filha. Sou muito feliz”. Confesso que me senti o menor dos seres humanos perante à grandeza daquela mulher, pois a adversidade da paraplegia não a impediu de ser grata a Deus, que renovou sua vida dando-lhe a filha.
SEGUNDO EXEMPLO: há cerca de 5 anos, avaliei uma criança de 4 anos para se submeter à sedação para ressonância magnética de crânio, acompanhada pela mãe e pela avó, que pagaram a consulta. Após atender o último paciente da tarde, a secretária me repassou o pagamento da criança de R$120,00, preço da consulta naquela época. As notas eram de R$5,00, todas muito amassadas, pois a família fez uma “vaquinha” para pagar a consulta, conforme o relato da secretária. Fiquei arrependido de ter recebido aquela consulta, mas a criança já havia ido embora. Deixei o consultório e fui para o hospital. Ao passar pelo hall de entrada, vi que a avó, a mãe e a criança estavam no corredor que leva ao serviço de Imagem, para fazer o agendamento. Eu me dirigi à mãe e devolvi o dinheiro. Eu já estava a cerca de 15 metros, indo embora, quando ouvi a mãe me chamando. Ela se aproximou de mim e perguntou se ela podia me dar um abraço. Disse que sim e, abraçados, choramos juntos. Nunca fui tão bem pago pelo meu serviço, pois o ato da gratidão foi muito claro e espontâneo.
TERCEIRO EXEMPLO: meses atrás, em uma quinta-feira, uma professora municipal e beneficiária da Unimed Casu, tinha erradamente agendado comigo a consulta pré-anestésica, pois este plano de saúde referencia os pacientes para serem atendidos no Pleno. A secretária explicou que não era mais possível a consulta ser feita por mim. Feito o contato com a Unimed, foi confirmada a negativa. Ela estava desesperada, pois a cirurgia para correção de abdome em avental pós-cirurgia bariátrica estava agendada para a próxima terça-feira. A Unimed informou que a consulta no Pleno seria somente na próxima semana e ela perderia o agendamento da cirurgia. A paciente quis pagar a consulta particular. Não aceitei e a atendi sem cobrança. Ao terminar, ela me abraçou, chorando, e eu fiz a segunda voz.
Recordei estes fatos positivos que me marcaram, ocorridos com pessoas muito simples, pois todas elas demonstraram gratidão, com exemplo máximo da paraplégica que sorria o tempo todo, pois Deus lhe dera uma filha. Não me lembro de ver fatos semelhantes ocorridos com pessoas detentoras do poder, seja político ou econômico.
Chico Xavier dizia: “os ingratos perderam a memória”. Portanto, os gratos são exatamente aqueles que se encontram fragilizados, feridos, mas nos ensinam que “os feridos são os que mais sabem curar as feridas”.
Nilson de Camargos Roso
Doutor em Anestesiologia, professor aposentado pela UFTM
n.roso@me.com