ARTICULISTAS

Brasil, um país de Primeiro e de Terceiro Mundo

Nilson de Camargos Roso
n.roso@me.com
Publicado em 09/02/2024 às 19:58
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No dia 23 de maio de 1968, houve no Brasil dois fatos, antagônicos e simultâneos: em São Paulo, o professor Euryclides de Jesus Zerbini fazia o primeiro transplante de coração em João Ferreira da Cunha, o João Boiadeiro, enquanto que no leito 121 do antigo Hospital Escola falecia um paciente no mais avançado estado de caquexia e desnutrição, eliminando Ascaris lumbricoides pela boca e pelo nariz. Eu estava no quarto ano de Medicina e assisti a essa cena, própria de um país de Terceiro Mundo.

Transplante cardíaco é um procedimento complexo, exigindo muitos profissionais de diferentes áreas da saúde, infraestrutura hospitalar adequada, alto custo e somente possível em países de Primeiro Mundo, como ocorreu no Brasil.

As maiores conquistas na saúde pública ocorreram quando se conseguiu: 1- tratar a água potável; 2- descoberta do antibiótico; 3- criação das vacinas. Mas pouco significam essas conquistas se não houver a presença do fator mais elementar para a saúde humana: o alimento.

Decorridos 55 anos do primeiro transplante cardíaco e do óbito do paciente em caquexia, pergunto: o que mudou no Brasil? Se por um lado o nosso país é o maior exportador de alimentos do mundo, com 64,7 milhões de toneladas em 2022, característica de Primeiro Mundo, por outro lado, todos os nove Estados do Nordeste e quatro da Região Norte (PA, AM, AP e AC) têm mais cidadãos recebendo o Bolsa Família do que com carteiras de trabalho assinadas, o que comprova que não houve a evolução social desejada e a maioria dessa população não consegue por meios próprios se alimentar, característica de país de Terceiro Mundo. O Brasil de hoje ainda se parece com o de 1968.

As causas que impedem essa evolução: extorsão, tráfico de influência, suborno, fraudes e propina, caracterizando a corrupção em suas diversas formas como a matriarca dos principais males que acometem o Brasil, impedindo a aplicação correta da Justiça. 

Preocupam-me, também, publicações recentes sobre o QI (quociente de inteligência): com um QI médio de 83 pontos, o Brasil está em 66º lugar neste ranking, enquanto, com 106 pontos, os habitantes de Hong Kong, uma ilha sem água, mas com renda “per capita” maior que a da Inglaterra, alcançam o maior QI do mundo, com melhor distribuição de renda. Não posso afirmar, mas posso suspeitar: a evolução de um país depende também do QI médio de seus habitantes. Israel, sem riqueza mineral, 60% deserto, sem água, em pleno antagonismo ao Brasil, mas sua cultura permitiu a evolução. Já a cultura do brasileiro nos lembra Peter Drucker: “a cultura come a estratégia antes do café da manhã”.

No Brasil, as divergências ideológicas impedem ações efetivas de política pública. A cada solução proposta para melhorar o país, surge um contra-argumento, impedindo transformar palavras em ações concretas. Aldo Rebelo, um dos poucos políticos de projeção nacional com alta credibilidade nos dias atuais, explicou, em curso da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra em 2021, em Uberaba:
“Os brasileiros têm extrema união em saber apontar os problemas, mas extrema desunião em apontar as soluções”. Tradução: a cultura impede a aplicação da estratégia (é o Peter Drucker, de novo). A fome, própria de países do Terceiro Mundo, no Brasil será extinta se houver uma macropolítica pública eficaz, mas associada a uma necessária boa dose de altruísmo dos políticos.

 Nilson de Camargos Roso

Doutor em Anestesiologia; professor aposentado pela UFTM

n.roso@me.com

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