Até 31.12.1994, último dia da administração Itamar Franco, se um servidor do Ministério da Educação se aposentasse, ou pedisse exoneração, ou fosse demitido, ou falecesse, assim que fosse publicada a vacância no Diário Oficial da União (DOU), a instituição à qual pertencesse a vaga poderia imediatamente usá-la. Porém, em janeiro de 1995, FHC assumiu e houve a criação do Mare (Ministério da Administração e Reforma do Estado), cujo ministro era Bresser Pereira. Através de uma portaria, Bresser estabeleceu que, “mesmo havendo a vaga, a instituição federal somente poderá usá-la se o Mare autorizar por meio de liberação publicada no DOU”.
Nos últimos dias de setembro de 1997, as 12 Instituições Federais de Ensino Superior mineiras, da qual a FMTM era integrante e eu era o seu diretor, reuniram-se em Belo Horizonte. Dessa reunião, participou o reitor Fabiano, da Universidade Federal de Lavras (UFLA), que deu o depoimento abaixo.
“A UFLA tinha 22 vagas de professores, mas a portaria não as liberou. Realizamos a seguinte sequência cronológica:
1- o Conselho Universitário autorizou a abertura de concurso para preencher essas vagas;
2- publicamos no DOU a abertura dos concursos;
3- publicamos os editais;
4- realizamos as provas;
5- publicamos os resultados;
6- nomeamos os classificados;
7- demos posses aos mesmos.
A esse conjunto de ações chamamos de “ato jurídico perfeito”, que antagoniza a portaria do Mare. Dessa maneira, preenchemos as 22 vagas, sem qualquer questionamento jurídico”.
No início de outubro de 1997, realizei a última reunião da Congregação do meu segundo mandato, que iria até o dia 20. Nessa reunião, constei em ata o depoimento do reitor Fabiano, que nos ensinava, dentro da lei, a contrapor a portaria do Mare.
Dias após, João Batista Veloso, do Departamento de Recursos Humanos (DRH) da FMTM, me procurou e expôs a situação do professor Rubens Fasan, que prestara concurso em Fisiologia há quase 4 anos, aguardando a vaga. Este concurso foi renovado após 2 anos de sua realização, mas no dia 14 de outubro iria inteirar 4 anos, não podendo mais ser renovado, ou seja, Fasan não seria admitido na FMTM, que o perderia. Veloso me orientou: publicar a nomeação do Fasan no DOU do dia 14 de outubro. Também publicamos nesse dia a nomeação do professor Hélio Moraes de Souza, que prestara concurso para titular de Hematologia, em março de 1997, e não fora contratado, assim como publicamos a nomeação de uma professora do curso de Enfermagem para titular de uma disciplina.
Desses três professores, somente o Hélio estava em Uberaba. Comuniquei a ele, antes da publicação do dia 14, que meu mandato iria somente até o dia 20 e que deveria procurar o DRH para assinar sua posse. Hélio me respondeu que: “do dia 14 ao dia 20 de outubro estarei no Canadá, mas quando voltar, a nova administração da FMTM me dará posse”.
Veio então o inesperado. Hélio voltando, foi ao DRH, mas como resposta recebeu que “a portaria não havia liberado sua vaga”. Fasan, que estava nos EEUU, fazendo o “pós-doutorado”, veio a Uberaba para tomar posse, mas recebeu a mesma resposta que deram ao Hélio. A professora de Enfermagem, idem.
Resultados:
1- Fasan foi para a Faculdade de Medicina da USP, de Ribeirão Preto, juntamente com a esposa, Valéria, que já era professora de Anatomia, contratada pela FMTM. A perda desse casal foi lamentável, pois, além de preencherem as características de excelentes professores, ambos eram médicos, que cada dia são mais raros nas disciplinas da área básica. Valéria e Fasan são reconhecidos professores da mais alta qualificação na USP;
2- a professora de Enfermagem foi para a Universidade Federal de Goiás;
3- o professor Hélio, após anos de prolongada judicialização, foi contratado pela FMTM.
A versão que a administração assumida em 21.10.1997 transmitiu à comunidade acadêmica era de que eu estava ilegalmente contrariando a portaria. Em seguida, sofri 11 (onze) ações judiciais, dentro da FMTM, sendo que em uma delas, através de denúncia da administração da FMTM ao então procurador da República, Dr. Cléber, em Uberlândia, fui denunciado por “improbidade administrativa com enriquecimento ilícito”, onde fui depor na Polícia Federal de Uberaba.
Em 2002, em audiência com o juiz federal Élcio Arruda, em Uberaba, foi extinta a ação penal e julgada não procedente a ação cível. Recorreram ao Tribunal Regional Federal da Primeira Região, em Brasília. Em 2005, este Tribunal, por sete votos a zero, julgou improcedente a ação contra mim e os colegas professores que tiveram cargos de confiança em minha gestão. Por duas outras vezes, o mesmo Tribunal julgou improcedente a denúncia feita ao procurador de Uberlândia. As demais dez ações foram extintas em Uberaba.
O poder central do governo sempre foi castrador da autonomia universitária, explicitada no artigo 207 da Constituição Federal. Por isso, certa vez, escrevi o texto “tributo à professora Nice Borges Amorim”, que deu nova vida à então Escola Agrotécnica Federal de Uberaba (EAF), hoje IFTM.
A professora Nice não recebeu certificado “pleno” da auditoria, mas sim “irregular”. Porém, entregou à região uma EAF moderna, ampliada e mais desenvolvida. Dirigente que se preocupa somente em receber certificado “pleno” da auditoria pouco consegue fazer pela instituição. Edmund Burke nos conforta: “há duas fontes perenes de alegria pura: o bem realizado e o dever cumprido”. Procurei fazer o bem, cumprindo o meu dever.
Nilson de Camargos Roso
Doutor em Anestesiologia, professor aposentado pela UFTM
n.roso@me.com