Era 2010 e eu estava fazendo meu doutorado na Faculdade de Medicina de Botucatu (FMB), Universidade do Estado de São Paulo (Unesp). Certo dia, eu estava em uma antessala, aguardando o início de uma das aulas, juntamente com dois professores do curso: uma professora livre-docente e um professor assistente, ambos do Departamento de Anestesiologia da FMB/Unesp. Conversavam sobre os docentes de outros departamentos. Como eu tinha idade maior que ambos, estes continuaram o bate-papo descontraído, sem que minha presença significasse qualquer impedimento para exporem livremente seus pensamentos e convicções. Inicialmente, analisaram o aspecto científico da graduação e da pós-graduação “lato sensu” e “stricto sensu” da FMB, onde concluíram que estavam em bom lugar no “ranking” nacional. Na sequência, iniciaram a análise do comportamento e do relacionamento dos professores. Como característica do ser humano, houve elogios para poucos professores que, de fato, preenchiam positivamente os quesitos da análise feita. Mas houve um momento em que o professor fez elogios infindáveis a um determinado colega, do Departamento de Cirurgia.
Dizia: “ele não é apenas competente, mas também cumpridor de seu horário, além de se relacionar bem com todas as pessoas, independente da classe social, etnia, profissão ou do setor em que trabalha. Pensando bem, é o único professor que eu daria nota dez em todos os quesitos”. Para surpresa minha e do próprio professor, a professora respondeu: “mas ele não é docente, e sim médico do quadro de “staffs”. Era, pois, um não docente com características mais positivas que os demais docentes, o que comprova que “gato que nasce no forno não é biscoito, é gato”, ou seja, “professor que nasce no forno da docência, com toda a titulação acadêmica, mas não tendo vocação, não é docente”.
Durante meus dois mandatos (1985/1989 e 1993/1997) como Diretor da então FMTM, pude visitar e conviver com colegas professores das diversas instituições federais. A conclusão que tive foi que, salvo raras e honrosas exceções, muitos professores se colocam numa redoma, onde hipertrofiam seus egos, e, não havendo avaliação de sua produtividade e qualidade de trabalho, sentem-se infalíveis e intocáveis. Porém, é bastante frequente encontrarmos não docentes que procuram ensinar, além de serem exemplos de cidadania. Esta minha afirmação tem como base um conceito: “docente é todo aquele que tem conhecimento e deseja ensinar”.
A história da nossa FMTM/UFTM revela um número muito significante de não docentes que foram homenageados pelos formandos em Medicina. Uma avaliação bastante conhecida do docente: CHA, ou seja,
1- Conhecimento: é próprio daquele que SABE; 2- Habilidade: própria daquele que SABE FAZER; 3- Atitude: própria daquele que SABE FAZER e QUER FAZER. Infelizmente, muitos docentes sabem fazer, mas NÃO querem fazer. Recentemente, foram acrescentados a esta avaliação: 4- Valores e 5- Ética. Daí surgir o espaço para o não docente que SABE FAZER e QUER FAZER, ou seja, quer repassar o conhecimento. Enfim, docente também é aquele que aprendeu com um aluno que acessou uma bibliografia recente ainda não vista por ele.
Finalizo com João Guimarães Rosa: “mestre não é aquele que sempre ensina, mas que, de repente, aprende”.
Nilson de Camargos Roso
Doutor em Anestesiologia, professor aposentado pela UFTM
n.roso@me.com