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Dr. Adib Domingos Jatene

Nilson de Camargos Roso
n.roso@me.com
Publicado em 02/08/2024 às 18:00
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Filho de imigrantes libaneses, nasceu em 4 de junho de 1929, em Xapuri, Acre. Aos 2 anos de idade, perdeu o pai, comerciante e fornecedor dos seringais, vítima de febre amarela. Jatene terminou o Ensino Primário no Acre. Logo após, foi para Uberlândia, onde fez o Ginásio e o primeiro ano Científico. Depois, foi para São Paulo estudar Engenharia no Colégio Bandeirantes, onde, logo após, acabou desistindo de prosseguir na Engenharia e resolveu cursar Medicina.

No quarto ano, começou a adquirir vivência em cirurgia e entrou no grupo do professor Euryclides de Jesus Zerbini. Em maio de 1951, quando Zerbini operou o primeiro doente de estenose mitral, Jatene o instrumentou. Formou-se em 1953 pela Faculdade de Medicina da USP, capital.

Após terminar sua especialização em Cirurgia Cardiovascular, mudou-se para Uberaba, com seu consultório na rua Segismundo Mendes, juntamente com os doutores Aziz Miguel Hueb e Anis Abdala, realizando suas cirurgias no Hospital Santa Cecília. A pretensão dele era desenvolver, à semelhança da Mayo Clinic, nos EEUU, um hospital de cirurgias cardiovasculares em cidade do interior, de fácil acesso. Doutor Randolfo Borges Jr. foi o avalista do aluguel da casa alugada em Uberaba pelo doutor Adib e, também, permitiu que ele atendesse por diversos convênios médicos em seu nome, até sair os credenciamentos do doutor Adib. 

Foi professor de Anatomia Humana na FMTM. Folclórico é o fato do doutor Adib, junto com acadêmicos de Medicina, pegarem cães de rua para as cirurgias experimentais, numa época em que não havia legislação restritiva. Com Francisco Lopes Veludo, ele aprendeu a trabalhar com torno mecânico e a desenvolver os diversos tipos de ligas metálicas especiais, importantes para a criação futura do coração-pulmão artificial. Permaneceu em Uberaba por mais de dois anos, resolvendo se mudar, no final da década de 1950. O motivo, segundo os colegas mais idosos, foi o clima inamistoso ocorrido quando o então bispo da Diocese de Uberaba, Dom Alexandre Gonçalves do Amaral, após receber várias cartas anônimas, acreditou que doutor Adib fosse o autor delas. Mas este, cristão de fortes convicções, jamais cometeria tal ato. Tempos depois, foi descoberto o autor. Decidiu então se mudar para Brasília, fato que não ocorreu devido à intervenção do doutor Randolfo, que expressou essa pérola: “Brasília tem terra fraca, onde a árvore não cresce porque não há nutrientes no solo. Você vai para São Paulo, coração econômico desse país”. 

Em São Paulo, ele foi trabalhar no Hospital da Beneficência Portuguesa e, anos depois, no Hospital das Clínicas da USP, onde se tornou professor titular de Cirurgia Torácica e recebeu a Comenda de Professor Emérito. 

Doutor Zerbini realizou o primeiro transplante de coração no Brasil, ocorrido em 26 de maio de 1968. Por respeito ético ao doutor Zerbini, doutor Adib não quis realizar esse primeiro transplante.

Deixou sua maior contribuição científica em 1975, quando criou cirurgia com seu nome para correção da transposição dos grandes vasos em recém-nascidos. Criou também o primeiro coração-pulmão artificial do HC da USP.

Embora trabalhasse na área privada, tornou-se uma das figuras mais relevantes para a Saúde Pública no Brasil. Desempenhou com competência o cargo de secretário de Saúde do Estado de São Paulo, na gestão de Paulo Maluf, assim como o de ministro da Saúde nos governos Collor e Fernando Henrique Cardoso. Em 1995, quando diretor da FMTM, eu o recebi para proferir uma conferência. Nessa ocasião, doutor Adib me confirmou seu trabalho junto ao governo federal para criar a CPMF (contribuição provisória de movimentação financeira), cuja arrecadação seria totalmente aplicada na área da saúde. 

A CPMF foi aprovada, mas a promessa não foi cumprida pelo governo e o Ministério da Saúde perdeu mais recursos do que os que conseguiu com a CPMF. Quando perguntado se sua saída do governo FHC teve relação com a CPMF, doutor Adib respondeu: “teve relação direta. Eu disse ao presidente Fernando Henrique que precisava de recursos. Ele pediu para falar com o Pedro Malan (ministro da Fazenda). O Malan me disse que, em dois ou três anos, daria o dinheiro que eu precisava. Não podia esperar tanto tempo. Propus a volta do imposto sobre o cheque, que se chamava IPMF e havia sido extinto em 94. O presidente disse: ‘Você não vai conseguir aprovar isso’. Respondi: posso tentar? Ele autorizou. Pedi o compromisso dele de que o orçamento da Saúde não seria reduzido. A CPMF entraria como adicional. E ele: ‘Isso eu posso te garantir’. Depois da aprovação, a Fazenda reduziu o meu orçamento. Voltei ao presidente. Disse: ‘no Congresso, me diziam que isso ia acontecer. Eu respondia que não, porque tinha a sua palavra. Se o senhor não consegue manter a sua palavra, entendo a sua dificuldade. Mas me faça um favor. Ponha outro no meu lugar. Foi assim que eu saí, em novembro de 1996’”.

Após a eleição do presidente Lula em 2002, este o convidou para ser seu ministro da Saúde, o que foi aceito. Porém, um grupo da área de saúde do Partido dos Trabalhadores o procurou, oferecendo para trabalhar com ele. Doutor Adib respondeu que pessoalmente escolheria as pessoas. O grupo respondeu que fazia questão em participar. Doutor Adib procurou Lula, declinando do convite. Este fato evidencia a coerência e a seriedade do doutor Adib, abrindo mão de ser ministro da Saúde pela terceira vez, optando pela administração técnica, sem interferência política. 

Citações inesquecíveis do doutor Adib:

1- “o médico deve tratar o paciente como se fosse sua própria mãe ou seu próprio filho”;

2- “a Medicina não foi feita para o médico, mas para o doente, pois o médico é um simples agente”;

3- “o oposto do medo não é a coragem; o oposto do medo é a fé”;

4- “a função do médico é curar. Quando ele não pode curar, precisa aliviar. E quando não pode curar nem aliviar, precisa confortar. O médico precisa ser especialista em gente”.

Líder é a pessoa que influencia e aceita ser influenciada. Por isso, é a pessoa acreditada pela sociedade. Doutor Adib foi líder nas diversas áreas e cargos em que atuou (ministro da Saúde, secretário estadual da Saúde, cirurgião, pesquisador e professor).

 Nilson de Camargos Roso

Doutor em Anestesiologia, professor aposentado pela UFTM

n.roso@me.com

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