ARTICULISTAS

Dr. Odo Adão

Nilson de Camargos Roso
n.roso@me.com
Publicado em 07/06/2024 às 17:46
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Ele foi um “self-made man”, um vencedor, provando que nosso país oferece oportunidades para aqueles que sabem se preparar com competência e dedicação, mesmo para aqueles oriundos de classe social desprovida de riquezas materiais. É desnecessário falar sobre sua vida profissional, conhecida pelos leigos e demais cirurgiões plásticos. Abordarei alguns fatos ocorridos com Dr. Odo, presenciados por mim.

Quando eu era aluno do terceiro ano médico, pude conhecê-lo. Foi como professor em 1967, nas enfermarias da Clínica Cirúrgica do antigo Hospital Escola (HE) da FMTM, onde nos ensinava semiologia, à beira do leito, disposto a esclarecer qualquer dúvida. A primeira impressão que tive dele foi confirmada ao longo dos anos: polido e com capacidade de interagir, aberto ao diálogo, nunca se preocupando ser o dono da palavra final.

Devido ao seu temperamento ameno, sempre teve dificuldade de dizer não àqueles que solicitavam seus serviços médicos. Aprendi com ele a tratar as acadêmicas, por mais jovens que fossem, por “doutoras”, costume que ainda mantenho. Naquela época era cirurgião geral, por sinal exímio, competente, excelente professor, além de outros adjetivos positivos. Daí ter sido um dos homenageados pelos formandos de 1970, a minha turma. 
Após minha especialização em Anestesiologia, retornei a Uberaba, tendo sido contratado pela FMTM. Certa vez, em plantão noturno, anestesiei um senhor, operado de urgência, com inúmeras facadas no tórax e no abdome. A cirurgia iniciou depois da meia-noite, terminando pela manhã. Ao sairmos do centro cirúrgico, eu disse: “Dr. Odo, o senhor tem cirurgia eletiva às 7 horas aqui no HE e o senhor não dormiu nada”.

Ele me respondeu, com a voz baixa, sempre serena: “ficar de pé, usar um bisturi para cortar, uma pinça hemostática para prender o vaso sangrante, um fio para amarrar o vaso e uma tesoura para cortar o fio, não cansa ninguém. O que cansa é trabalhar com enxada, foice ou machado. Isso cansa”.

A resposta dada é própria de quem teve origem na área rural e cujo corpo e mãos conheciam os pesos das citadas ferramentas. Mas estava ali alguém nos dando uma lição, sabendo sublimar os problemas, vendo os acontecimentos pelo lado positivo, nunca se queixando das dificuldades encontradas. 
No início da década de 1980, eu era o diretor clínico do HE e, também, responsável pelo Serviço de Anestesia. Reuni os colegas da especialidade para lhes solicitar a observação de quesito básico em qualquer serviço: hora correta de assumir o plantão e, de modo especial, dar assistência noturna aos médicos residentes em Anestesiologia.

Alguns colegas tergiversaram, alegando questões pessoais. Resolvi, então, dizer a eles que “devemos sempre citar pessoas que nos dão exemplos como médicos”. O exemplo dado foi este: “em 1975, chegou um paciente ao antigo HE com um aneurisma de artéria femoral roto. Não foi encontrado o cirurgião vascular, e o cirurgião geral de plantão se negou a atender o caso, dizendo não ser sua especialidade. O Dr. Odo foi solicitado e fez a cirurgia corretora, usando apenas duas pinças “bulldog”.

Dr. Odo não estava de plantão, não era especialidade dele e nunca divulgou tal fato”. O colega Francisco Caetano, presente a essa reunião, disse: “eu fiz a anestesia desse paciente”. Ficou claro ali que sempre há exemplos de cidadãos que nos mostram o melhor caminho a ser seguido.
Dr. Odo mostrou compromisso didático, coletivo e desprendimento, sem conflito de interesse, quando foi criada a Residência em Cirurgia Plástica no HE. Perguntado se no futuro não haveria aumento da concorrência, respondeu: “se todos os cirurgiões plásticos forem bons, há lugar para todos”. 
Na década de 1990, ele foi o chefe do Departamento de Cirurgia, que possuía uma televisão, usada para transmissão ao vivo das cirurgias que ocorriam no centro cirúrgico, através de “link” da TV Universitária. Essa televisão desapareceu. A FMTM instaurou uma comissão de sindicância, sendo inconclusiva, e o caso foi arquivado. Algumas semanas após, Dr. Odo adquiriu uma televisão nova, maior e com mais tecnologia. Perguntado sobre essa questão, ele respondeu: “se sou o chefe do Departamento, a responsabilidade maior é a minha. Nada mais natural do que repor o que desapareceu”.

Consegui defini-lo: “as eventuais e possíveis falhas que o Dr. Odo possui, todos nós também as possuímos, mas as virtudes que ele possui, poucos de nós as temos”.

Aprendi com ele:

1- “em certos momentos, abdicar de direitos para poder conviver bem”;
2- “independente do humor e da classe social do paciente, devemos tratá-lo com competência, de modo cordial e alegre”;

3- sempre ensinou pelas palavras os bons caminhos aos seus alunos, mas os convenceu pelas suas ações cristãs.

Os jovens, com muita frequência, são criticados pelas suas ações. Porém, também com frequência, falta aos jovens um melhor exemplo por parte dos mais idosos. Por isso, os jovens médicos devem seguir colegas que tenham um correto padrão de ações. Dr. Odo Adão é um desses. Dar exemplo não é a melhor maneira de corrigir a sociedade. É a única maneira.

 Nilson de Camargos Roso

Doutor em Anestesiologia; professor aposentado pela UFTM

n.roso@me.com

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