Entendemos que a vida se parece com o jogo de futebol, esporte mais popular e nosso paradigma. O jogador, geralmente jovem, pratica o futebol com mais emoção e coração do que com a prudência e a frieza da técnica. Nas nossas ações, como profissionais ainda jovens, tomamos decisões intempestivas, inadequadas e impróprias. Este é o tributo que pagamos por sermos jovens, quando acreditamos que “sabemos tudo”.
A terceira idade nos afasta do campo de trabalho, obrigando-nos a assistir ao jogo pela arquibancada, onde é bem mais fácil observar as virtudes e erros daqueles que ainda estão em campo. O exemplo maior foi o jogo da seleção brasileira contra a da Holanda, em 2010, na África do Sul, pela Copa do Mundo.
O primeiro tempo terminou com o Brasil ganhando de 1X0. No segundo tempo, o Brasil aceitou as provocações feitas pelos holandeses e se esqueceu de jogar. Felipe Melo foi expulso, o time se perdeu em campo. Perdemos por 2X1.
Após o jogo, assisti à entrevista do técnico holandês. Foi perguntado a ele qual tinha sido a orientação para os seus jogadores no intervalo. Resposta: “eu disse aos meus jogadores que o jogador brasileiro é emocionalmente instável”. Estava ali a resposta, chave da vitória dos holandeses, provocando os brasileiros, que revidaram às provocações e se esqueceram de jogar futebol, situação observada somente por quem estava na arquibancada.
A prova dessa afirmação: todas as cinco vezes em que o Brasil foi campeão mundial, ele sempre foi “emocionalmente estável”. Mas os brasileiros que conseguiram assistir ao jogo com menos emoção e consequente lucidez perceberam, já no início do segundo tempo, as intenções dos holandeses.
Dr. José de Paiva Abreu, cirurgião e um dos fundadores da FMTM, dizia: “a excessiva aproximação do objeto ao espelho deforma a imagem”. A linguagem figurada explica melhor: quanto mais próximos estamos dos fatos ocorridos ou das pessoas envolvidas, ficamos mais emotivos e a solução adequada não surge. Daí estar na arquibancada nos dá uma melhor visão.
O ator Paulo Goulart, esposo da atriz Nicette Bruno, em 2007, após a cerimônia de abertura do Congresso Brasileiro de Anestesiologia, em Natal, RN, declamou um poema sobre “a idade, segundo o jovem”.
Resumo do poema: 1 - idoso: “esse está defasado, nada mais sabe”; 2 - 40 anos de idade: “alguma coisa se aproveita, mas é necessário reciclar”; 3 - jovem: “esse sabe tudo, conhece tudo”.
É compreensível o pensamento do jovem. La Rouchetfoucault disse bem: “infeliz do ser humano que não tenha a idade da sua idade”. Em reunião com médicos residentes, eu os classificava: Primeiro ano – é humilde, pois tem consciência da sua ignorância; Segundo ano – acredita que pode andar com seus próprios pés; Terceiro ano – acredita que sabe mais que o professor.
Ao atingir a terceira idade, todo cidadão “assiste ao jogo da arquibancada”, pois, nesse momento, terá a visão do passado, que, comparado com o presente, lhe dará a visão e a solução adequada dos fatos.
Um colega anestesista carioca, certa vez, disse-me: “quando jovem, os pacientes sempre tinham medo de mim. Hoje, senescente, assistindo pela arquibancada, sempre tenho medo dos pacientes”.
Enfim, o tempo se encarregou de mostrar a ele a realidade dos fatos, através de aspectos médico-legais, quando, após se tornar frágil, acordou para rever conceitos na frente do juiz e do promotor, pois ninguém os revê enquanto é forte.
Nilson de Camargos Roso
Doutor em Anestesiologia, professor aposentado pela UFTM
n.roso@me.com