ARTICULISTAS

Em defesa de um anestesista

Nilson de Camargos Roso
Publicado em 11/10/2024 às 17:43
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A cirurgia somente conseguiu evoluir quando a anestesia evoluiu. A primeira anestesia geral documentada publicamente foi em 16 de outubro de 1846, em Boston, EUA. Daí, comemorando o dia 16 de outubro (Dia do Anestesista), relato o fato abaixo. 

Em outubro de 1996, uma conhecida modelo foi internada para se submeter a uma lipoaspiração em uma Clínica, em São Paulo, capital.

Porém, durante o ato anestésico, houve parada cardíaca (PC). Uma vez revertida, foi encaminhada para o Hospital Albert Einstein (HAE), onde foi submetida a coma induzido por barbitúrico durante três dias, a fim de promover proteção e diminuição do edema cerebral, sob os cuidados de um neurocirurgião. Decorridos os três dias, foi retirada do coma induzido e “milagrosamente” a modelo sentou e conversou.

Toda a grande imprensa nacional divulgou boletins diários da evolução clínica da modelo. O suposto vilão da época foi o anestesista, o que não é verdade, e o suposto herói foi o neurocirurgião, o que não é verdade, conforme veremos.

Dias após esse fato relatado, participei, como diretor da FMTM, do Congresso Brasileiro de Educação Médica em Salvador, BA. Houve vários grupos de discussão sobre o tema “saúde”. No grupo, do qual fiz parte, um professor gaúcho se manifestou: “tenho um plano de saúde que permite eu ser atendido até no HAE”, referindo-se ao excelente fato da modelo ter sido salva neste hospital de referência.

No intervalo das discussões, conversei com o professor Wiliam Saad Hossne, da Unesp de Botucatu, criador e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Bioética, e com uma colega médica, do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), cujo nome não me lembro. Relatei aos dois o fato ocorrido com a modelo atendida no HAE e a fala do colega gaúcho, que valorizou o atendimento pelo neurocirurgião. O professor Wiliam me disse: “a modelo chegou ao HAE semiconsciente, verbalizando, confusa, mas não estava em coma. O neurocirurgião a colocou em coma induzido, que é o tratamento correto, mas dizendo à imprensa que “ela está respirando por aparelhos, não há como fazer previsões sobre eventuais sequelas na atriz, decorrentes do problema, ou mesmo avaliar suas chances de sobreviver, sendo duvidosa a evolução”.

Porém, após os três dias de coma induzido, suspendeu a infusão de barbitúricos. A paciente sentou-se na cama e conversou. Daí, pessoas que desconhecem todo o fato pensarem que o neurocirurgião fez um milagre, pois esse profissional omitiu que a paciente chegou respirando sem aparelhos, espontaneamente, respondendo às perguntas, embora confusa.

Porém, quem foi todos os dias ver a paciente e prescrever foi o anestesista.”

Percebe-se que foi relatada à sociedade apenas meia verdade, onde foi omitido que a paciente não chegou em coma e o neurocirurgião procurou supervalorizar (ou teatralizar) seu trabalho.

Anos após, cursando como aluno de Doutorado em Botucatu, em Seminário sobre “Parada Cardíaca”, foi-nos dito que a referida modelo fizera uso de cocaína na noite anterior da lipoaspiração, que nem sequer ocorrera, pois a PC aconteceu no momento da anestesia peridural. Motivo da PC: a cocaína sensibiliza o miocárdio à ação da adrenalina injetada juntamente com o anestésico local no espaço peridural. Se fosse divulgado este fato, a discutível culpa do anestesista seria afastada. Por questões éticas e profissionais, o uso da droga não foi divulgado, o que foi importante para preservar a modelo.

Algum tempo depois, esse neurocirurgião, que era Secretário Estadual de Turismo, Esporte e Lazer, pediu demissão após a denúncia da participação dele em um esquema que fraudava licitações e o pagamento de plantões médicos em hospitais estaduais, onde ele “cumpria” 80 horas semanais de plantão. A associação desse fato ao anterior demonstrou seu “modus operandi”.

Pelo relato, percebemos que há tempos que a grande imprensa não divulga os verdadeiros fatos, seja porque não chegaram ao seu conhecimento, seja por manipulação de interesses das pessoas envolvidas, gerando as famosas “fakenews”, prejudicando pessoas.

Decorridos 28 anos dessa ocorrência, presto homenagem ao colega anestesista paraibano Francisco Minan Neto, que se defendeu em matéria da Folha de São Paulo do dia 14 de outubro de 1996, com o título “Tentam me linchar”.

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