NILSON ROSO

Estar mais interessado que a pessoa envolvida

Nilson Roso
Publicado em 10/02/2023 às 19:32Atualizado em 10/02/2023 às 19:32
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No período 1979-1981, fui presidente da Sociedade de Medicina e Cirurgia de Uberaba (SMCU). Certo dia, fui abordado pela Diretora do Hospital São Domingos (HSD), que me entregou uma fita cassete, na qual um radialista dizia ser necessário o posicionamento da SMCU. Levei a fita para casa e a ouvi com atenção. O radialista:

1) disse o nome do programa;

2) passou a palavra a um cidadão que relatou que seu irmão passara mal e foi ao Pronto Socorro (PS) do HSD e um médico o atendeu, encaminhando o mesmo para casa, mas que voltou ao PS dois dias depois, agonizando e, a seguir, falecendo;

3) o radialista disse que “a SMCU precisava se manifestar e que o paciente falecera de úlcera perfurada, e não do diagnóstico que constava no atestado de óbito”. Lembro que se pode contestar um atestado de óbito se houver um diagnóstico diferente, evidenciado pela necropsia. Assim, procurei os responsáveis pelas necropsias, que me informaram que nenhuma fora realizada naquele paciente, seja no IML, seja na então FMTM. O radialista havia blefado. Na sequência, apresentei esta situação a um advogado e perguntei a quem caberia a responsabilidade da reportagem: à família, à rádio ou ao apresentador. Resposta: “cabe ao apresentador do programa”. À noite, reuni a diretoria da SMCU e, na presença do colega médico que atendera o referido paciente, coloquei a fita para ser ouvida por todos os presentes e, na sequência, passei a palavra ao colega para que relatasse o ocorrido com o paciente. Este relatou que o paciente se apresentou no PS com dor abdominal e exame de fezes positivo para Ameba histolytica e que prescrevera um antiamebiano e o encaminhara para sua residência. Porém, em sua casa, sua mãe lhe dera uma colher de sopa (15ml) de “Creolina”, pois há uma crendice de que possa combater a ameba, e dois dias depois o paciente retornou ao PS, com intensa sudorese, pulsos impalpáveis, em estado de choque, com insuficiência renal aguda, compatível com intoxicação exógena aguda, que foi a “causa mortis” que constou no atestado de óbito. O colega esclareceu que a “Creolina” contém fenóis, cresóis e hidrocarbonetos, todos altamente nefrotóxicos. Entreguei ao colega uma procuração para que o mesmo autorizasse a SMCU a mover uma ação em desfavor do radialista por atos de calúnia e difamação e que esta ação não traria ônus financeiro a ele. Estranhamente, o colega argumentou: “esse radialista já atacou por várias vezes outros colegas e por que a SMCU deseja apurar este caso?” Respondi que eu não sabia o que ocorrera em gestões anteriores, assim como não sabia o que iria ocorrer em gestões futuras, mas que eu sabia qual era o meu dever naquele momento. O colega, então, argumentou que muitas pessoas nada sabiam sobre a questão colocada, mas que a população poderia entender mal e assim denegrir o seu nome e que seria melhor nada fazer em relação ao radialista. Porém, continuei insistindo para o colega assinar a procuração, até o momento em que a colega Maria Cristina Silva, de saudosa memória, disse-me: “ele não quer assinar e você não pode obrigá-lo”. Nesse momento, recebi uma ducha fria, acordando. Eu disse aos presentes que a noite estava muito quente e que convidava a todos para tomar chope no Bar Chopão, em frente à SMCU, encerrando a reunião.

Conclusão: 
1) é próprio do jovem querer “consertar o mundo”, mas, como “juventude tem cura”, aprendi que desejo ainda combater atos ilícitos, mas fujo do ridículo, pois não posso estar mais interessado que a pessoa diretamente envolvida, que não deseja oferecer condições para sua própria defesa;
2) todo brasileiro deseja um país digno e honesto para sua família viver, mas não quer se comprometer em denunciar fatos graves. Equivale a entregar um violão sem corda ao músico e pedir para tocar uma boa música, ou seja, pedir resultado para melhorar a sociedade, mas não oferecer o meio para a execução. Porém, aquele que está sozinho e denuncia corre o risco de encontrar como solidário apenas o eco da própria voz;

3) fatos como esse relatado aqui ocorrem na sociedade em geral. Seria interessante que o violão fosse entregue sempre com cordas (provas robustas). O fato narrado me amadureceu, pois o brasileiro não gosta de se envolver em denúncias, repito, mas deseja ter um país eticamente correto.

 Nilson de Camargos Roso

Doutor em Anestesiologia, professor aposentado pela UFTM

n.roso@me.com

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