Um cidadão, pela manhã, ao escovar os dentes, observou pelo espelho que as conjuntivas, membranas mucosas de seus olhos, estavam amarelas, ictéricas. Ficou mais que preocupado: desesperou-se e, imediatamente, procurou seu médico. Este, após colher a história clínica, fazer o exame físico e analisar os resultados dos exames solicitados, lhe deu o diagnóstico: hepatite. Obedecendo rigorosamente ao tratamento proposto, a evolução deste cidadão foi positiva, sem sequelas. Porém, há casos de hepatite sem icterícia, havendo apenas sintomas de indisposição e mal-estar, que podem ser confundidos com gripe ou uma virose benigna, onde o acometido entende que sua vida não está em risco, o que não o obriga a procurar o médico. Porém, com o passar dos meses ou anos, há uma queda em seu estado geral e, procurando o médico, este diagnostica “cirrose pós-hepatite”, quadro grave, de evolução fatal, a não ser que se submeta a um transplante de fígado. A conclusão: um quadro sabidamente manifesto de hepatite com icterícia alerta o cidadão, que procura se tratar, enquanto o quadro sem icterícia, aparentemente inócuo, é de futuro sombrio, justificando o título deste texto. Transponho essa situação da área da saúde para a área do comportamento humano, onde pessoas que transparecem o que são, sendo autênticas, e por isso podemos chamá-las de hepatites ictéricas. Outras camuflam o seu comportamento, enganando-nos, assemelhando-se à hepatite sem icterícia, sendo perniciosas.
Em decorrência, há, entre outros, dois comportamentos básicos dos cidadãos:
1- ictérico: é aquele que transparece o que ele é, mantém suas convicções, sendo visualmente ictérico, independente do lugar que fala, possuindo caráter: “é quando falamos a verdade, mesmo quando não nos beneficia”. Este cidadão é aquele que uma sociedade séria deseja, pois manifesta suas convicções, repito;
2- não ictérico: não transparece o que ele é e se manifesta conforme o meio onde se encontra, trocando sua roupagem, agindo como as moléculas anfipáticas das micelas, ou seja, no meio alcalino tem comportamento alcalino, assim como no meio ácido tem comportamento ácido. É um farsante de primeira hora, o aproveitador que se diz amigo. Este é o comportamento mais envolvente e mais perigoso, nunca apresentando icterícia, pois sabe que “é mais fácil enganar as pessoas do que convencê-las de que elas foram enganadas”. (Mark Twain).
Que Deus proteja os humanos ictéricos, mas que transforme os anictéricos em ictéricos.
Nilson de Camargos Roso
Doutor em Anestesiologia; professor aposentado pela UFTM
n.roso@me.com