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Indenizações por eventos adversos

Nilson de Camargos Roso
n.roso@me.com
Publicado em 05/01/2024 às 18:15
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Eventos adversos são danos não intencionais decorrentes da assistência prestada ao paciente e não relacionados à evolução natural da doença de base. Hipócrates, médico grego considerado o pai da Medicina (460 a 377 a.C.), foi o iniciador da observação clínica e estabeleceu o princípio da não maleficência “primum non nocere”: antes de promover o bem, o médico não pode causar o mal. Este princípio pode ser aplicado em outras áreas da atuação humana, mas foi facilitado pela promulgação do Código do Consumidor (Lei 8.078, de 11.09.1990), dispondo sobre a proteção do consumidor. Em relação ao médico, a punição por eventos adversos poderá ocorrer se houver um ou mais quesitos que possam indicar imperícia, imprudência ou negligência do profissional. Relato três fatos que ocorreram comigo, embora não houvesse qualquer lesão do paciente.

Há mais de uma década, posicionei uma paciente para a realização de raquianestesia para histerectomia. A paciente estava em decúbito lateral esquerdo. Foi tentada a posição de emprostótono (em posição fetal, cabeça fletida sobre o tórax, os joelhos encostados no abdome), o que permite palpar melhor as vértebras e facilita a punção da coluna lombar. No entanto, a paciente, por mais que solicitasse, ficou na posição inversa, em opistótono (deflexão, o que dificulta a punção). Mesmo nessa difícil posição, fiz a punção. Após a injeção do anestésico, a paciente subitamente passou da posição de deflexão da coluna para a posição de flexão da coluna, o que provocou o entortamento da agulha em 90 graus. Ao tentar retirá-la, esta se quebrou, ficando parte dela na coluna. Solicitei ao cirurgião que realizasse a cirurgia. Após o término, solicitei a um neurocirurgião, que, com o auxílio do raio-X, retirou o fragmento da agulha. Após permanecer na sala de recuperação pós-anestésica, recuperar completamente os movimentos dos membros inferiores e completamente lúcida, conduzi a paciente ao seu quarto. Na presença dela e do esposo, narrei o ocorrido, assim como mostrei a agulha fraturada. 
Ficam as recomendações para se evitar o litígio médico-legal sobre evento adverso:
1- sinceridade, narrando todos os fatos, inclusive com as testemunhas, com palavras claras e assertivas aos familiares interessados;

2- se houver o material a ser questionado, no caso a agulha quebrada, apresente aos familiares;

3- não se afastar da família, procurando manter informações sobre a evolução do(a) paciente;

4- colocar-se à disposição para atender qualquer queixa.
Um segundo caso foi curioso e atípico. Ao fazer a intubação traqueal de uma paciente, notei que um dente incisivo não estava fixo, podendo ser movimentado. Ainda na sala de recuperação pós-anestésica, conversei com a paciente e esta me disse que o dente era uma coroa de jaqueta. Solicitei um amigo dentista que avaliasse o caso e fui informado que a coroa não tinha a fixação pelo metal e que era apenas um preparo para a futura jaqueta. Portanto, não ocorrera nenhum trauma dentário no momento da intubação. Como o esposo se mostrou belicoso e de temperamento difícil, alegando que houve o traumatismo, paguei toda a realização da coroa de jaqueta.

O terceiro caso se parece com o segundo. Após anestesia geral para cirurgia de uvulopalatofaringoplastia, no pós-operatório no consultório do cirurgião, a mãe relatou a este que um dos incisivos do filho estava fraturado e que certamente foi devido à intubação traqueal. O paciente foi encaminhado ao dentista, que me relatou que a fratura existente era antiga, ocorrida muito antes da cirurgia. Mesmo assim, paguei o tratamento dentário.

Há muito tempo aprendi que o dinheiro foi criado para comprar e pagar, trazendo tranquilidade a quem paga. Dinheiro somente não compra duas situações:
1- a amizade verdadeira;

2- a honra das pessoas.

Para alguns, não há amizade verdadeira e nem honra de pessoas. Se for assim, para essas pessoas, o dinheiro compra tudo. Arremato com Winston Churchill: “quem acha que dinheiro faz tudo, certamente fará tudo por dinheiro”.

Nilson de Camargos Roso
Doutor em Anestesiologia; professor aposentado pela UFTM
n.roso@me.com

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