NILSON DE CAMAEGOS ROSO

“Não há política de saúde no Brasil”

Nilson de Camargos Roso
Publicado em 20/01/2023 às 19:21Atualizado em 20/01/2023 às 19:21
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Em 1980, o diretor da FMTM era o professor João Francisco Naves Junqueira, que recebera um convite da UFMG (Universidade Federal de MG) para participar do “Simpósio de integração docente/assistencial”. Todavia, declinou do convite, mas convidou o professor José Fernando Borges Bento e a mim para representarmos a FMTM. Nós nos reunimos com os representantes das demais oito faculdades de Medicina então existentes em MG, em Belo Horizonte. A finalidade precípua do simpósio era demonstrar que o professor do curso médico podia, simultaneamente com o ensino, proporcionar também uma boa assistência médica. Permanecemos 3 dias dentro da UFMG, debatendo e obtendo informações sobre este assunto tão importante para o curso médico. Porém, o simpósio era em nível nacional. Em decorrência, permanecemos 3 dias em cada faculdade federal de Medicina de outras universidades, debatendo o assunto em Goiás, no Pará, no Ceará, e, por último, os representantes das nove faculdades mineiras se reuniram na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em Recife. Mas antes nos dirigimos até a cidade interiorana de Vitória de Santo Antão, onde é fabricada a famosa caninha “Pitú”. Lá conhecemos um projeto na área de Saúde que, podemos dizer, era o “embrião do Programa Saúde da Família”, onde também tomamos o conhecimento de um fato histórico, pois em 1980 havia no município duas usinas produtoras de açúcar de cana, pertencentes a dois proprietários. Porém, em 1962, o governador de Pernambuco, Miguel Arraes, fez as primeiras desapropriações de terras, doando-as aos moradores do campo, em ações coordenadas por Francisco Julião, frente às chamadas “Ligas Camponesas”. Arraes, durante seu mandato, desapropriou as duas usinas de açúcar situadas em Vitória de Santo Antão e as doou aos seus empregados, em 1962. A nossa visita ocorrera em 1980 e verificamos que cada usina tinha novamente um único dono, ou seja, com o passar do tempo, aqueles que receberam as doações passaram a vender para terceiros as suas partes, o que 18 anos após as doações culminou, trazendo o mesmo quadro, pois em 1962 havia apenas um dono de cada usina. Conclusão: as doações de bens imóveis ou indústrias para humildes cidadãos sem a adequada preparação social, econômica e profissional dos mesmos se torna infrutífera, o que também nos permite afirmar que “não basta desapropriar bens e doar aos mais carentes”. Tendo às mãos algum capital de imóvel, o cidadão humilde, desejoso de ter dinheiro à mão, vendeu sua parte por aquela oferta que julgava cabível. 

Retornamos a Recife e fomos recepcionados na UFPE pelo pernambucano professor Fernandes Figueira, pediatra de renome que se formara na antiga Faculdade de Medicina da Praia Vermelha, RJ, onde residiu por décadas e deu importante contribuição para a Medicina. O professor Fernandes, já septuagenário, retornara à sua cidade natal, deixando o Rio de Janeiro, após sofrer infarto do miocárdio. Com voz em baixo tom e pausada, ele se dispôs a falar sobre alguns conceitos importantes em Medicina, para os representantes das nove faculdades de Medicina de Minas Gerais e nos disse, entre outras, as seguintes frases lapidares:

1- “no Brasil não há política de saúde, mas sim o uso da saúde para fazer política”;

2- “no Brasil quem tem poder político não entende de saúde e quem entende de saúde não tem poder político”;

3- “o que eu disse para a saúde, idem para a educação”.

Em 19 de setembro de 1990, a Lei 8.080 criou o Sistema Único de Saúde, o maior sistema de saúde pública do mundo e que melhorou a assistência à saúde pública no Brasil. Gabriel de Paiva, do jornal O Globo, dia 18.01.2023, publicou: “a sua opinião a gente ainda não sabe, mas a área da Saúde é a mais votada pelos brasileiros como uma das três que enfrentam maiores problemas atualmente. O top do ranking:

Saúde (62%);
Educação (38%);
Desemprego (37%);
Fome/Miséria (27%);
Corrupção (22%)”.

Os dados acima comprovam que a qualidade do atendimento à saúde pública é preocupante. Percebe-se que a instituição SUS ainda não está perfeita, assim como seus integrantes, seres humanos, pois apresentam imperfeições, sejam individuais, comportamentais ou de gestão. Após 42 anos daquelas frases do professor Fernandes, deixamos como reflexão: as políticas de saúde e de educação no Brasil mudaram o necessário de 1980 para 2023?

 Nilson de Camargos Roso

Doutor em Anestesiologia, professor aposentado pela UFTM

n.roso@me.com

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