NILSON ROSO

O exercício do cargo desgasta

Nilson Roso
Publicado em 31/03/2023 às 18:09
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Era o ano de 1980 e a então Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro (FMTM) fizera edital para contratação de profissionais necessários à saúde, incluindo médicos, enfermeiras, técnicos de enfermagem e agentes administrativos. Cada profissional que fosse prestar o concurso deveria apresentar comprovante que exercia a profissão ou especialidade a qual iria concorrer.

Assim, os médicos inscritos deveriam, por consequência, também comprovar a especialidade médica exercida. Naquele momento, eu exercia a presidência da Sociedade de Medicina e Cirurgia de Uberaba (SMCU). Muitos colegas buscaram junto a esta documento que comprovasse a especialidade na qual iriam prestar concurso. Porém, às 16 horas do último dia da inscrição para o concurso, fui pessoalmente procurado por um colega que me solicitou o fornecimento de declaração que exercia a especialidade de Anatomia Patológica, que era uma das áreas abertas para o concurso.

A inscrição terminava às 17 horas. Ao analisar a documentação apresentada pelo colega, concluí que o mesmo exercia a especialidade de cirurgia do aparelho digestivo, mas desejava prestar o concurso para Anatomia Patológica, sem a adequada comprovação. Verifiquei que ele apresentou certificados de presença aos cursos de Patologia do Aparelho Digestivo, Patologia do Sistema Cardiovascular, Patologia Renal e Patologia do Sistema Respiratório. Dentro da lógica do raciocínio, disse ao colega que eu também, como anestesiologista, se fizesse os referidos cursos, todos necessários para entender os diversos sistemas e aparelhos do corpo humano, seria apenas um anestesiologista e jamais um patologista, o que implica em conhecimentos mais específicos e com carga horária muito mais elevada, própria de uma especialização.

O colega então me disse: “a inscrição para o concurso terminará em trinta minutos, que é exatamente o tempo que tenho para levar a declaração de que exerço a especialidade de patologia. Você tem interesse em me prejudicar?” O mais curioso: a própria comissão receptora dos documentos, também responsável pela análise dos mesmos, não desejando polêmica com o pretendente, repassou este “ananas sativus”, também conhecido como abacaxi, para a SMCU. Mas o desejado documento não foi expedido e, portanto, não entregue, embora estejamos no país do “jeitinho”, onde o administrador, resolvendo o problema para o solicitante, inicia ali o seu próprio problema, pela falta de critério técnico da decisão administrativa. Dias após, soube que o referido colega, que se formara em 1963 na FMTM e colega de turma de um amigo em comum, queixara-se a este “pela falta de coleguismo” do presidente da SMCU.

Tenho boa memória e este foi um colega que não perdeu a oportunidade de maldizer o então presidente da SMCU, onde certamente ele relatou parte da verdade, e não toda a verdade, o que comprova que “a meia verdade é mais perniciosa que a mentira”, pois o fato completo não foi relatado. Entendo as dificuldades daqueles que ocupam cargos administrativos na sociedade, sejam públicos ou privados, pois, seja na mídia ou fora dela, a crítica destrutiva sempre ocorre, e no dizer apimentado de Millôr Fernandes, “jornalismo é oposição e o resto é secos e molhados”. Por outro lado, “aquele que não luta pelo que quer acabará aceitando o que não quer”.

 Nilson de Camargos Roso

Doutor em Anestesiologia, professor aposentado pela UFTM

n.roso@me.com

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