ARTICULISTAS

O palestrante é confiável?

Nilson de Camargos Roso
Publicado em 19/05/2023 às 20:12
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No dia 31 de outubro de 1996, o avião Fokker 100 da TAM, voo 402, após tentativa de decolagem, caiu na cabeceira da pista do aeroporto de Congonhas, em São Paulo, matando 99 pessoas, sendo 90 passageiros. Entre estes se encontrava o colega Walter Luiz Manhães, anestesiologista de Uberlândia e que havia pernoitado em São Paulo para visitar a filha, mas  tomara o avião para se dirigir ao Rio de Janeiro a fim de participar do Congresso Brasileiro de Anestesiologia. Manhães era muito extrovertido, com grande capacidade de comunicação. À sua volta era frequente se observar aquela conversa sadia e positiva e que melhora sempre a nossa autoestima. Enfim, sua presença traduzia um bom astral. Embora já tenham decorrido 26 anos da sua morte, lembro-me que, naquela época, Manhães sempre abordava suas palestras com excelente preparo de material audiovisual, ou seja, sempre foi um bom comunicador. Certa vez, em uma roda de amigos, o assunto em pauta era exatamente saber quem podia se comunicar melhor, seja numa simples palestra por um único palestrante ou analisando todos os integrantes de uma mesa de palestrantes. É claro que a boa comunicação depende de vários fatores necessários ao palestrante. Podemos citar: dialética, retórica, hermenêutica e linguística, além do conhecimento específico do tema abordado. Também é necessário lembrar a advertência de Albert Einstein: “aquele que se comunica deve fazê-lo de modo simples e inteligível, pois se não for assim significa que não domina o tema”. Também lembro que “comunicação não é aquilo que o comunicador diz, mas sim aquilo que o público entende”. Neste dia, Manhães se superou quando disse: “eu sou capaz de abordar qualquer tema, em qualquer lugar e melhor que qualquer um”. Fez uma pausa e continuou: “Não pensem que sou louco. Me dê o ‘script’ e 24 horas para eu preparar o tema e vocês verão com que precisão e propriedade irei abordá-lo, porque eu sou bom. Eu, simplesmente, fiz teatro e sei desempenhar bem o papel que me derem”.

Deste texto podemos extrair algumas conclusões:

1) mais importante que a apresentação audiovisual é lembrar que “o apresentador deve ter mais conteúdo que sua apresentação”, o que pode ser testado quando se obriga o palestrante a sair do material audiovisual;
2) nem sempre o que parece é verdadeiro, ou seja, “não se deve julgar o livro pela capa”, pois a apresentação, embora teatral e aparentemente convincente, foi feita por um ator, que na realidade desconhece a profundidade do tema;

3) ouvimos por diversas vezes que a melhor maneira de obter a informação científica de um palestrante é se sentar próximo dele quando estiver tomando o café da manhã no hotel e abordá-lo de maneira informal;
4) dizia o Professor Mário Rigatto, pneumologista  gaúcho e pesquisador do Conselho Nacional de Pesquisa, que “o melhor momento para se perguntar sobre um trabalho científico a um pesquisador ou professor é quando ele está esperando o trem no metrô, quando então ele deverá dar a resposta em 2 a 4 minutos, pois se dermos a ele giz, quadro negro e uma hora para responder, ele ainda não falará o principal”.

Nilson de Camargos Roso
Doutor em Anestesiologia, professor aposentado pela UFTM
n.roso@me.com

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