ARTICULISTAS

O protocolo de Manchester

Nilson de Camargos Roso
n.roso@me.com
Publicado em 27/10/2023 às 18:44
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Há situações em que muitas pessoas estão feridas (terremoto, acidentes com vários veículos em rodovias, desabamentos de edifícios, etc), onde socorristas são enviados para prestarem os primeiros atendimentos. É fácil compreender que entre os atendidos haverá pessoas em estado geral grave e outras sem aparentes lesões. Para hierarquizar o atendimento, foi criado o Protocolo de Manchester, um processo de triagem de pacientes adotado em todo o planeta e que foi aplicado pela primeira vez em Manchester, na Inglaterra, em 1997. Ele determina as escalas de urgência para os pacientes que precisam receber atendimento médico. A classificação é feita através de cores, conforme a gravidade do quadro clínico apresentado pelas pessoas, o que significa EXAMINAR  o paciente. A aplicação dessa ferramenta de triagem clínica prioriza os enfermos em condições fisiopatológicas mais graves, que  recebem no local do atendimento pulseiras coloridas:

VERMELHO: representa emergência, englobando os casos que alertam para o risco de morte iminente e recomendando que o paciente deve ser atendido imediatamente;

LARANJA: significa muito urgente e também nesse caso o paciente apresenta risco de morte, embora esteja um pouco mais estável que no caso anterior, mas deve ser atendido o mais rápido possível;

AMARELO: casos urgentes, com gravidade moderada. Aqui, o tempo pode chegar a 50 minutos para atendimento;

VERDE: pouco urgente, sendo destinado para os casos menos graves, com o paciente podendo aguardar até 2 horas;

AZUL: não urgente, sendo a classificação mais baixa, pois envolve problemas simples.

Todo protocolo não é perfeito, pois Medicina é uma ciência biológica, diferente da Matemática, ciência exata. A prova dessa afirmação foi o que ocorreu com colega médico da minha turma de formandos, há mais de quatro décadas, onde, após acidente de carro na rodovia, juntamente com a esposa, foram atendidos em hospital. A esposa estava completamente lúcida e, após se identificar, identificou o esposo, que estava tonto e confuso. Certamente a esposa, pelo protocolo, receberia uma pulseira AZUL, pela lucidez e pela aparente ausência de lesões. Porém, cerca de duas horas após, apresentou hemorragia intracraniana maciça  (período lúcido de Jean-Louis Petit), falecendo. Há pois exceções no protocolo de Manchester.

Presumo que o leitor entendeu o que foi exposto. A seguir, testo a inteligência e o bom senso do mesmo, pois “maturidade é contar a história completa, sem pular a parte que também erra”.

Em 23/11/2023, o paciente A.M.C, RG 1791458, estava no Ambulatório Maria da Glória (AMG), quando se sentiu mal. Há um protocolo pactuado entre HC da UFTM e Secretaria Municipal de Saúde determinando que “os pacientes devem ser encaminhados à UPA, para depois serem levados por ambulância para o Pronto Socorro (PS) do HC”. Embora este paciente estivesse a 80 metros do PS do HC, “o protocolo foi cumprido”, pois a ambulância, quando chegou, o mesmo já havia falecido, ou seja, o paciente faleceu, mas o protocolo foi obedecido, diferente de desobedecer ao protocolo, encaminhar o paciente ao PS e ser salvo. Fatos como esse retiram dos seres humanos (autoridades da Saúde e da Justiça) o gênero/espécie “homo sapiens”, pois não vimos e nem ouvimos essas autoridades se manifestarem, não para curar o paciente, mas para impedir que o mesmo morresse por falta de atendimento no TEMPO correto, alterando protocolos.

Outro caso que coloca em dúvida a inteligência, a prudência e o bom senso das mesmas autoridades foi o ocorrido com humilde técnico de enfermagem em junho de 2022, em que, após o término de seu plantão no HC da UFTM, sentiu dor abdominal. Foi retirado de dentro do HC, encaminhado à UPA e desta para o Hospital Regional, onde, após tomografia, foi revelado “aneurisma roto de artéria ilíaca interna esquerda”. Foi encaminhado, “obedecendo ao protocolo”, para o HC, em condições hemodinâmicas graves, submetido à cirurgia, mas falecendo no HC, que deveria tê-lo atendido, e não o encaminhado à UPA. Percorreu a rota do “turismo da morte”: HC, UPA, Hospital Regional e novamente HC.

Outros casos que afrontam o bom senso dos administradores da Saúde e da Justiça de Uberaba, narrados em textos anteriores, conferem a esses administradores, devido às suas indiferenças, o título de “criminosos do silêncio”, pois mortes evitáveis ocorreram e certamente ainda ocorrerão, se o mesmo protocolo persistir. Pacientes graves faleceram depois de serem trazidos por familiares ao PS do HC por carros “devendo ir à UPA para retornarem de ambulância”. O mais contundente: se o Protocolo de Manchester, que implica no EXAME FÍSICO do paciente, pode ser falho, imagine a falha de NÃO ADMITIR UM PACIENTE NO PS DO HC SEM O PROFISSIONAL DE SAÚDE SEQUER EXAMINÁ-LO! Estes fatos estão ocorrendo no HC da UFTM. Ora, se “o cérebro pensante do país está na universidade”, onde estão a inteligência e a expertise?

Conclusão: “É melhor correr o risco de salvar um homem culpado do que condenar um inocente”, dizia Voltaire, o que permite a analogia “é melhor desobedecer ao protocolo e salvar o paciente do que obedecê-lo e perder esse paciente”. É necessário explicar às autoridades constituídas da Saúde e da Justiça o que é o Protocolo de Manchester e, principalmente, quando PS do HC, SEM EXAMINAR o paciente, encaminha-o para a UPA.

 Nilson de Camargos Roso

Doutor em Anestesiologia, professor aposentado pela UFTM

n.roso@me.com

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