A Pediatria é uma das áreas obrigatórias que sempre fizeram parte do currículo mínimo do curso médico. Nos primórdios da recém-nascida FMTM surgiu o convênio com o Hospital da Criança (HC), onde os alunos de graduação o frequentavam durante o quinto e o sexto ano. A partir de 1972, surgiu a especialização em Pediatria, de forma oficiosa, onde o convênio foi importante para a formação de novos pediatras. Somente a partir de 1980, o MEC autorizou oficialmente a Residência Médica em Pediatria. Assumi a Direção da FMTM em 21.10.1985. Em dezembro de 1985, por sugestão do meu antecessor, Professor José Fernando Borges Bento, eu o acompanhei até o HC, onde fomos gentilmente recebidos pela Diretora do HC. A finalidade da visita foi verificar a possibilidade de a Fundação de Ensino e Pesquisa de Uberaba (Funepu) assumir a administração do HC, pois este hospital filantrópico sempre viveu e sobreviveu com muitas dificuldades. Caso a Funepu assumisse o HC, o objetivo era implantar uma administração mais profissional e sem depender de caridade. Porém, apesar das argumentações feitas, não conseguimos o desejado.
Eram 10 horas da manhã da última sexta-feira do mês de fevereiro de 1986. Eu me preparava para deixar o gabinete da Diretoria da FMTM e, na sequência, tomar o avião no aeroporto de Uberaba e me dirigir à cidade de Belém, PA, onde as 52 Instituições Federais de Ensino Superior deveriam reunir-se. Porém, antes da minha saída, a secretária Lucia Batista Davi me entregou um ofício que acabara de chegar, encaminhado e assinado pela Diretora do HC. Neste ofício constava “solicitação para a FMTM retirar do HC, no prazo de 24 horas, todos os quinto e sextanistas, médicos residentes, professores, funcionária e pertences”. Imediatamente, telefonei para a Diretora. Disse que eu estava saindo para viajar e se ela poderia postergar aquela decisão, que poderia ser mantida ou não, depois que eu retornasse da viagem, quando então, após dialogarmos, seria tomada a decisão final. A resposta dela foi incisiva: “nada mais poderia ser feito e era a decisão final”. Domingo à noite, estando no hotel em Belém, o professor de Pediatria, Milton Toubes Alonso, telefonou-me, dizendo que “estavam todos de cabeça quente e que eu havia viajado”. Respondi a ele que, “se eu estivesse em Uberaba, seria apenas uma cabeça quente a mais”. Sugeri que fosse cumprida a determinação da Diretora e que “aulas teóricas seriam dadas aos alunos, inclusive com recursos audiovisuais, e que seria iniciada a reforma do antigo Hospital Escola, defronte ao Uberaba Tênis”, para o atendimento da pediatria, o que foi feito. Nas semanas seguintes, recebi telefonemas e ofícios, encaminhados por diversas instituições, como Lions, Rotary e Lojas Maçônicas, onde inquiriam “o motivo pelo qual a FMTM rompera o convênio com o HC”. Respondi a todos, verbalmente, que não fora a FMTM que rompera o convênio, mas sim o HC. Na cidade, corria a notícia “a FMTM usara o HC enquanto não tinha o seu Hospital”, inaugurado em janeiro de 1982. Traduzindo o que se comentou na época: “a FMTM usou o HC enquanto precisou dele, mas, tendo agora um bom e novo hospital, rompeu o convênio, à semelhança de alguém que, após chupar uma laranja, a despreza, pois não tem mais caldo”. Não fui à imprensa relatar o fato, pois a Diretora sempre foi uma pessoa muito digna e altruísta, além de ser esposa de um professor e fundador da FMTM. A reforma e adaptação do antigo HE durou cerca de dois meses. O Professor Milton me procurou e perguntou o que eu achava de colocar, nos meios de comunicação, que “a FMTM já tinha sua própria pediatria, com plantões em pronto-socorro (PS) por 24 horas”. Respondi negativamente, pois “muitos pensavam que a FMTM fora a responsável pela quebra do convênio e, certamente, se sentiriam agredidos. Caso fizéssemos a propaganda, seria acender o fogo da discórdia”. Assim, sem propaganda, após 14 dias de espera, surgiu a primeira criança a ser atendida no PS da pediatria. O detalhe: esta criança era a filha de uma técnica de enfermagem que trabalhava no próprio PS. Os quinto e sextanistas, assim como os médicos residentes de Pediatria, de 1986, conhecem a verdade sobre o rompimento do convênio. Somente três professores de Pediatria daquela época ainda se encontram entre nós: Bruno José de Carvalho, Hiroji Okano e Benito Ruy Meneghelo.
Fica a pergunta: por que somente agora relato o fato ocorrido?
neste momento, não haverá mais polêmica sobre este assunto;
preservei a decisão da Diretora que, na época, julguei intempestiva;
tempos atrás, comentei este fato com uma colaboradora da Unimed, que me afirmou que “tanto ela como o pai dela sempre acreditaram que fora de fato a FMTM a responsável pela ruptura do convênio”.
Somente após dois anos tomei conhecimento do motivo do rompimento do convênio. Tudo iniciou com uma discussão entre um médico residente da Pediatria com uma enfermeira do HC. A bem da verdade, não conseguimos descobrir qual foi o primeiro a dar o pontapé inicial na discussão. Um teria dito: “se não fossem os médicos residentes, este Hospital não funcionaria”. O troco: “se não fosse este Hospital, não haveria a Residência em Pediatria”. A discussão foi muito acalorada e acabou chegando ao conhecimento da Diretora, que, de cabeça quente, redigiu o ofício.
Nilson de Camargos Roso
Doutor em Anestesiologia, professor aposentado pela UFTM
n.roso@me.com