O Brasil é o quinto maior país do mundo, mas é o maior país de clima tropical. Por isso, devido às temperaturas mais altas, em grandes extensões de lavouras surgem mais doenças causadas por fungos, bactérias e vírus, somado ao fato de haver até três safras por ano em algumas áreas. Em países de clima frio, no inverno a temperatura chega a muitos graus negativos, o que diminui a proliferação daqueles germes nas lavouras.
Algum tempo atrás, o Estado do Ceará, por lei estadual, segundo reportagem do programa “Hora H do Agro”, apresentado por Quellen Severo, por questão ideológica e em nome da defesa do meio ambiente, proibiu a pulverização de lavouras por aviões, fato hoje discutido no Supremo Tribunal Federal (STF), que poderá validar a lei somente para o Ceará ou estendê-la aos demais Estados ou dar autonomia para cada Estado decidir. Curiosidade: o país que mais usa defensivo agrícola por kg/ha/ano é o Japão, nas culturas de arroz, com ausência total de comentários da imprensa e dos políticos.
Ouvi certa vez de um familiar: “todo progresso traz atraso”.
Explicou: 1- a energia elétrica trouxe progresso, mas mata; 2- o automóvel e o avião trouxeram progresso, mas também matam; 3- abelhas são fundamentais para a polinização das flores e frutos, além do mel que alimenta e da própolis antioxidante e bactericida, mas também matam (10.000 acidentes com abelhas causam 40 mortes por ano no Brasil, segundo a UNESP, Botucatu); 4- a diferença entre o remédio que salva e o veneno que mata é a dose (Paracelso); 5- aviões pulverizadores de lavouras são um progresso, mas trazem efeitos colaterais. É, pois, necessário avaliar custo/benefício, assim como as vantagens e danos em cada item que o progresso nos oferece.
Tenho uma propriedade rural com quatro granjas de frango de corte, mas estou cercado por lavouras de cana-de-açúcar, que recebem há mais de uma década a pulverização de defensivos por aviões, que trouxeram as seguintes modificações: 1- morte de quatro mangueiras; 2- morte de árvores “fícus folha miúda”; 3- morte de pés de mamão; 4- não produção de frutos (laranjeiras, mexeriqueiras, lichias); 5- vizinho não colhe mais verduras; 6- outro vizinho plantou cem mexeriqueiras, que morreram; 7- na pecuária, vacas que se tornaram inférteis e com baixo nível de positividade na transferência de embriões; 8- conversei com três médicos especialistas em reprodução humana que me disseram que “pilotos de aviões pulverizadores de defensivos apresentam alta prevalência de infertilidade”, inclusive com referências bibliográficas.
Na minha propriedade, um avião pulveriza as lavouras de cana vizinhas, mas sempre faz o retorno em cima das granjas. Embora seja desligada a pulverização neste contorno em cima das granjas, o vácuo gerado pelo avião promove ainda a pulverização fora da cana, em concentração de partes por milhão.
O fato preocupante: se ocorre oito vezes ao dia mas se fazem dez vezes por ano, está explicado o desastre. Em dezembro de 2020, filmamos um avião pulverizar uma APP (Área de Preservação Permanente) da minha propriedade, além de fazer o retorno em cima das granjas. Há uma legislação que proíbe esta pulverização em área de granjas. Fizemos três vídeos das pulverizações, anotamos latitude e longitude das granjas e da pulverização da APP, assim como o prefixo do avião. Com esta fundamentação, acionamos a Promotoria do Meio Ambiente. Meses após, recebemos a visita dois técnicos do IMA (Instituto Mineiro de Agropecuária), que constataram os fatos e a usina de açúcar assinou um “acordo de não persecução penal”, com aplicação de multa. Os aviões deixaram de sobrevoar minha propriedade.
Resultado: árvores não morreram mais, as lichias estão produzindo e a fertilidade na transferência de embriões melhorou.
É um paradoxo, mas “todo progresso traz atraso”.
Nilson de Camargos Roso
Doutor em Anestesiologia, professor aposentado pela UFTM