Com frequência, a FMTM ministrava cursos aos seus servidores na área de Recursos Humanos. Estando disponível, como diretor tomei assento junto aos mesmos, assistindo às informações repassadas pelo palestrante, que demonstrou a necessidade de as pessoas no local do trabalho, ou fora dele, saberem ouvir quem está usando a palavra. Demonstrou que “quem não sabe ouvir não sabe se defender”:
Ao tentar interromper o seu interlocutor no debate, surge a animosidade, pois se aquele que falava foi interrompido, poderá sentir-se constrangido, transformando o conflito em confronto;
2- Em opiniões divergentes, quem está usando a palavra pode fornecer informações desconhecidas, dando argumentos que permitirão contrapô-lo;
3- Assim, o opositor sofrerá “xeque-mate” pelas suas próprias informações;
4- Dizia o palestrante: “o Juiz somente prolata uma sentença após ouvir as testemunhas e acessar os autos do processo (fato primário), interpretar os dados colhidos (fato secundário), emitir o julgamento (fato terciário)”. Uma pessoa, ao emitir sua opinião, deverá ter a virtude de ouvir durante o debate, pois a opinião é um processo terciário; 5- Saber ouvir é tolerância e virtude. Não saber ouvir é vício.
PRIMEIRO EXEMPLO DE SABER OUVIR - Como diretor da FMTM, fui convidado a participar de uma Assembleia Geral dos servidores, pois chegaram a mim informações sobre falhas administrativas que eu teria cometido, o que me colocou em situação adrenérgica de ataque. O meu gesto inicial foi de chegar à Assembleia e, de imediato, abordar o assunto, procurando contrapor quem me antagonizasse. Porém, eu me lembrei da palestra e procurei ouvir os oradores. A Assembleia transcorreu sem qualquer abordagem ao suposto fato das falhas, o que permitiu que eu inquirisse sobre essas e me propus a ouvir aqueles que tivessem informações. Mas os presentes disseram que tinham informações positivas sobre os meus atos. Fui salvo de um embate que eu mesmo poderia ter desencadeado, caso eu chegasse à Assembleia e afirmasse que “estavam procurando denegrir a minha pessoa e a minha administração”. Graças à lembrança da necessidade de saber ouvir, evitei gastos desnecessários de saliva e de adrenalina.
SEGUNDO EXEMPLO DE SABER OUVIR - No ano de 1987, como diretor da FMTM, dentro do Hospital Escola, fui abordado por senhora do Setor de Limpeza da Fundação de Ensino e Pesquisa de Uberaba (Funepu). Disse-me ela: “Dr. Nilson, foi dado aumento de salário para todos os servidores, menos para os 150 da área da limpeza. Nós também temos as nossas continhas para pagar”. Naquele momento, ficou flagrante a falha das áreas de Recursos Humanos e do Setor Financeiro, pois o aumento salarial sempre foi dado a todos. Agradeci àquela senhora e telefonei aos respectivos setores e o erro foi sanado. Aquela humilde servidora me ajudou, pois o exercício da administração pública traz desgastes ao administrador, onde há pessoas interessadas em atuar politicamente quando têm informações como essa da não correção salarial a um setor. Se eu não tivesse ouvido aquela servidora, meu desgaste ocorreria, desencadeando:
1- Presença de comissão de servidores exigindo audiência com o Diretor;
2- Acionamento do Sindicato ou da Associação dos Servidores;
3- Abaixo-assinado dos servidores repudiando “atitude antidemocrática” do diretor;
4- Comunicação à imprensa da exclusão do aumento salarial do Setor de Limpeza.
Sabendo ouvir, evitei meu desgaste político.
EXEMPLO DE NÃO SABER OUVIR - No ano de 1996, Paulo Renato Sousa, ministro da Educação de FHC, marcou audiência com os 52 diretores e reitores da Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior), onde 32 estiveram presentes. O Ministro estava indignado, chegando ao limite da ira. Suas palavras foram: “sempre os tratei com dignidade e elegância, pois somos professores. Esperei dos senhores a reciprocidade. Não esperava a agressão, denegrindo minha pessoa. A matéria colocada no “Correio Brasiliense” não é real”. Após 15 minutos ininterruptos e descarregar bile e adrenalina, o Ministro se calou e solicitou aos integrantes da Andifes para se manifestarem. O primeiro a usar a palavra foi o reitor da Universidade Federal do Paraná: “Excelência, nunca fizemos tais declarações. Me sinto agredido e abandono o recinto”. Nós nos retiramos e nos reunimos numa sala anexa, discutindo o motivo da ira do Ministro. O motivo: comunicação errada, pois quem concedeu aquela reportagem com referências negativas ao Ministro foi a Andes (Associação Nacional dos Docentes de Ensino Superior). O Ministro foi informado erradamente, confundindo Andes com Andifes, ou, se foi bem informado, interpretou mal. Passados 40 minutos do nosso encontro, o Ministro solicitou novamente a presença dos 32 dirigentes e, na presença de todos, pediu desculpas pelo erro da sua afirmação. É um ato de nobreza pedir desculpas, mas para o ministro Paulo Renato Sousa, certamente, foi ainda mais difícil devido a três fatores:
1- O Ministro tinha um forte temperamento gauchesco, dominante e determinado;
2- Fez sua graduação na Universidade de São Paulo (USP), onde também fez o seu Mestrado e Doutorado e, portanto, tinha um “componente uspiano” evidente;
3- Tinha sido reitor da Universidade de Campinas (Unicamp). Estes três fatores facilitaram ao Ministro “não saber ouvir”, pois se perguntasse se a referida reportagem era da Andifes, toda aquela insensatez não teria ocorrido, ou seja, se o Ministro não ouviu, não soube interpretar e nem soube julgar e, erradamente, bateu o malhete, sentenciando.
Rubem Alves complementa o texto acima: “sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar. Ninguém quer aprender a ouvir”.
Nilson de Camargos Roso
Doutor em Anestesiologia, professor aposentado pela UFTM
n.roso@me.com