ARTICULISTAS

Quem vai colocar o guizo no pescoço do gato?

Nilson Roso
Publicado em 03/11/2023 às 19:53
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Na noite de 25/05/2021, ainda em plena pandemia, a Unimed Uberaba fez uma “live” com seus cooperados. O tema central foi a nova forma de pagamento pelo sistema de “performance”, onde se remunera melhor aqueles cooperados que atenderem com menor custo financeiro para a Unimed. Houve um momento em que alguns cooperados propuseram que, “antes de implantar esse novo sistema, a Unimed deveria punir os cooperados que pedem exames excessivos ou que cobram procedimentos não realizados”. São dois aspectos graves e diferentes. Pedir exames desnecessários é uma infração ética, relativamente fácil de ser comprovada através dos “comitês de especialidades”. Cobrar por procedimentos não realizados é crime, comprovado através de denúncia ou de cuidadosa auditoria. Devido aos aspectos culturais do nosso povo, há grande dificuldade de se obter denúncias, pois todos nós desejamos um país moralmente correto, mas não gostamos de nos expor. Tradução: o brasileiro quer mexer na brasa com a mão de outro. Seguem abaixo alguns fatos, comprovando ser difícil a apuração de ilícitos.

PRIMEIRO FATO: durante meu primeiro mandato na FMTM, houve um flagrante de um servidor que furtou medicamentos e utensílios. Um segundo servidor se apresentou como testemunha, afirmando que aquele fato era repetitivo. Porém, no dia do depoimento na comissão de sindicância, este disse que nada sabia e pessoalmente me procurou para dizer que o indiciado era casado, tinha filhos e que “não iria complicar a vida dele”;

SEGUNDO FATO: ocorreu na administração de outro diretor da FMTM, em que um paciente denunciou em manuscrito um professor cirurgião, servidor público federal, pois este cobrou a realização da cirurgia, ocorrida dentro do Hospital Escola, público federal. O detalhe: no “caput” o denunciante escreveu “DENÚNCIA SIGILOSA”, onde não colocou o nome, mas desejava a apuração. O diretor da época simplesmente entregou o manuscrito ao procurador da FMTM, que nada fez, pois o diretor não despachou o documento, ou seja, não solicitou a apuração;

TERCEIRO FATO: colega médico, em confidência, relatou-me que um familiar teve atendimento clínico em consultório. Porém, semanas após, recebeu a cobrança da coparticipação de pagamento de procedimentos, que não foram realizados. O colega insistiu, mas o familiar não quis denunciar, mesmo com o ônus de pagar parte dos procedimentos não realizados.
É do conhecimento público que cerca de 90% dos estupros ou de abusos sexuais não são denunciados, pois a vítima:

tem medo da apuração “virar nada”; 2) de ficar “malfalada” na sociedade.

Nesse contexto, cabe citar a parábola dos ratos que estavam sendo comidos por um gato muito astuto, que sempre atacava de surpresa. Um jovem e inexperiente ratinho, então, sugeriu que fosse colocado um guizo no pescoço do gato, pois, quando este se movimentasse, o barulho do guizo seria ouvido e os ratos teriam tempo para fugir. Um idoso rato, então, replicou: “quem vai colocar o guizo no pescoço do gato?”.
Analogia: a apuração de atos ilícitos praticados por cooperados pode se tornar relativamente fácil. Basta haver a denúncia fundamentada e circunstanciada, ou seja, basta colocar o guizo no pescoço do gato.

 Nilson de Camargos Roso

Doutor em Anestesiologia, professor aposentado pela UFTM

n.roso@me.com

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