No dia 16 de outubro se comemora o “Dia do Anestesista”, pois nessa data, em 1846, foi realizada a primeira anestesia geral documentada, no Hospital Geral de Massachusetts, Boston. Comemorando esse dia, descrevo o fato ocorrido com um anestesista resiliente. Em 1971, fazia a minha especialização em Anestesiologia no Hospital Pedro Ernesto, da então Universidade do Estado da Guanabara (UEG), hoje UERJ. Um dos preceptores era baiano, de fala baixa e macia. Porém, aquele ano foi cruel para ele: uma de suas filhas saltou do Cristo Redentor, suicidando-se. A esposa e um dos filhos ficaram esquizofrênicos e ele próprio teve transtorno bipolar. Tempos depois, foi para a UFRJ, defendeu sua Livre Docência e aposentou-se aos 70 anos, indo para Florianópolis, SC, exercendo a Clínica de Dor. Publicou o excelente livro “Dor Neuropática” em parceria com o colega neurologista uberabense Jaime Olavo Marquez. Há uma década, publicou na “Anestesia em Revista” o reflexivo texto “A importância dos 5 Hs”, direcionado aos médicos, assim transcrito:
1- HONESTIDADE: fundamental para toda profissão lícita;
2- HUMANIDADE: pois o paciente é ser humano e deve ser tratado com atenção e humanismo;
3- HUMILDADE: é a forma mais avançada do humanismo, pois o paciente está carente e fragilizado, desejando ter suas queixas ouvidas com carinho;
4- HABILIDADE: necessária para trabalhar com os três primeiros Hs;
5- HUMOR: “está um degrau acima da inteligência”, Charles Chaplin. Humor só é possível no profissional que tenha inteligência emocional.
É necessário ter resiliência quando somos atendidos pela saúde pública. Na noite de 6 de outubro, fui à UPA São Benedito, onde uma funcionária da minha propriedade rural estava há mais de 16 horas com queixa de um pequeno besouro que entrou no seu ouvido direito. Após ser liberada, levei a mesma ao Pronto Socorro (PS) do Hospital das Clínicas (HC), onde fui impedido de entrar, mesmo portando meu crachá de aposentado, pois “aposentados não entram”, conforme “regras” ditas pelo guarda que me impediu de entrar. Com telefonema feito à vice-reitora da UFTM, foi permitida minha entrada e pude acompanhar a retirada do besouro por um colega gentil e competente. Um fato isolado não tem valor, mas a repetição de fatos, sim. Um dos ícones da Medicina uberabense, professor Odo Adão, aposentado, foi impedido de entrar no HC em maio de 2022, a fim de ver o corpo de sua irmã Osana, falecida. Houve também, há cerca de dois anos, impedimento de entrar no HC da enfermeira aposentada Maria Aparecida Xavier. Notificamos estes fatos à Associação dos Docentes e dos Servidores da UFTM, solicitando apurações. Questões: 1- a Ebserh é uma empresa pública, gestora do HC da UFTM, e temos convicção de que ela não distingue etnias para entrar no HC. Porém, deve ter havido uma coincidência no impedimento dos aposentados Dr. Odo e da enfermeira Xavier, pois ambos são negros e, acredito, tudo dependeu do temperamento de quem estava no plantão; 2- existe no Ebserh alguma portaria, memorando, circular ou pelo menos uma ordem escrita, criando o impedimento de entrada de aposentados?
No início deste ano, neste jornal, escrevi os textos “o que é mais importante: a vida humana ou a obediência ao protocolo?” e “a síndrome do sapo cozido”, onde citei fatos graves de pessoas que vieram a falecer devido às administrações anteriores do HC, ao estabelecer “regras ou protocolos“, não entender que Medicina é ciência biológica, e não Matemática, ciência exata, e que “cada caso é um caso”, onde há exceções, pois o TEMPO para atendimento é importante quando o quadro clínico é grave, o que gerou o Protocolo de Manchester”, usado em todos os hospitais do Reino Unido. Vidas foram perdidas por falta de bom senso e falta de humanismo. Em 12 de abril de 2022, entreguei em mãos ao assessor jurídico do vice-presidente do Ebserh, general Antônio, que visitava a UFTM, nome e RG de paciente que estava no Ambulatório desmaiado em 23.11.2021, mas “as regras pactuadas determinam que seja primeiro encaminhado à UPA, devendo retornar ao PS em ambulância”.
Quando a ambulância chegou para levar o paciente à UPA, este já havia falecido. Na época, afirmei que “se fosse o reitor ou a superintendente do HC que passassem mal no Ambulatório, certamente seriam levados ao PS, o que significa que as vidas do reitor e da superintendente são de primeira classe, enquanto as vidas dos pacientes do SUS são de segunda classe, devendo esperar a ambulância para levá-los à UPA”. A falta de HUMANIDADE e de bom senso impediu este paciente de ser atendido no PS do HC, que estava a 100 metros de distância. Este é um caso interessante para o “Fantástico”.
Conclusão: há uma preocupação maior no HC em preencher papéis e obedecer a “regras” do que com a vida humana, permitindo-nos pensar que “se sentem bem se o paciente morrer seguindo as ‘regras’ em vez se tratar e se salvar desobedecendo a essas ‘regras’”. Os pacientes são do SUS, pobres e carentes. “O Conselho Regional de Medicina determina que o ato médico é pessoal e intransferível”, mas o médico não participa das decisões administrativas que irão interferir no tempo do atendimento do paciente. Mas, se há o óbito, quem deve dizer o ocorrido e ser responsabilizado é o médico. “Os fatos (coisas) falam por si mesmos” (res ipsa loquitur). Devido a essa situação, encaminhei ofício à Comissão de Ética do HC da UFTM para analisar, interpretar e julgar fatos passados que certamente, se nada for feito, serão repetidos no futuro e que não existem essas “regras” nos cursos de urgência e emergência.
Portanto, há condutas nessas regras que são a antimedicina. A impressão que tenho é que não há mais a figura do HC da UFTM, mas apenas a figura do Ebserh, onde esqueceram o artigo 207 da Constituição Brasileira (autonomia administrativa das universidades).
O assessor do general não tomou providências. Solicitei, em janeiro, o pronunciamento sobre este e outros casos graves em que, se atendidos no momento certo, os pacientes não teriam falecido, a estas entidades: 1- Polícia Federal; 2- Ministério Público Federal; 3- Ministério Público Estadual; 4- Justiça Federal; 5- Justiça Estadual; 6- Sociedade Civil Organizada; 7- Ordem dos Advogados do Brasil; 8- Sociedade de Medicina e Cirurgia de Uberaba; 9- Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais. Até hoje ninguém respondeu, o que me permite afirmar: “se o conceito de certo é estatístico, representado pela maioria, que não responde às minhas indagações, logo a minha opinião é a minoria e quem está cometendo o erro sou eu”. Mas sou um homem livre e de bons costumes e posso afirmar que, como o anestesista acima citado, sou um cidadão resiliente, pois continuo com as denúncias.