Com muita frequência, a maioria dos seres humanos que ocupa cargos de direção, seja em empresa pública ou privada, deseja “deixar seu nome na história da instituição”, realizando projetos notáveis que permitirão seu nome ser lembrado décadas após deixar o cargo. Esta situação demonstra o lado positivo do aspecto de realizar o melhor para a instituição, desde que análise adequada seja feita dos fatores prós e contras, mas pode estar acompanhada da hipertrofia do ego, onde se evidencia que os projetos promoverão o nome do dirigente, mesmo que isto coloque em risco a instituição. A história dos seres humanos é muito rica em exemplos que aqui se encaixam. Porém, citarei apenas dois exemplos, acontecidos em Uberaba.
Os uberabenses mais idosos se lembrarão deste fato, ocorrido há mais de vinte anos. O então Uberaba Sport Club (USC), que sempre disputou a primeira divisão de futebol profissional em Minas Gerais, classificava-se entre os cinco melhores times mineiros. Acompanhei de perto os seus jogos no “Estádio Boulanger Pucci”, onde enfrentava os grandes clubes de Belo Horizonte, e, apesar das parcialidades dos juízes de futebol na época, pois não havia jogos televisionados e nem o VAR, o USC sempre teve bom desempenho. O fato marcante: a Direção do USC, certamente imbuída dos melhores sentimentos, contratou a cantora e apresentadora Xuxa, que estava no auge da sua fama, para vir a Uberaba e dar o seu show no Estádio Uberabão. A perspectiva era que o público presente seria, no mínimo, vinte mil pessoas e a consequente renda melhoraria as condições de atuação do clube, o que “deixaria o nome da então Diretoria na história do clube”. No entanto, na data do show, choveu o dia todo em Uberaba, o que impediu a sua realização. Porém, Xuxa exigiu o pagamento, pois não havia cláusula excludente de não pagamento devido à chuva. O montante contratado foi pago, mas a partir dali o USC ficou inadimplente com seus compromissos, levando no futuro à perda do seu Estádio. Enfim, o projeto inicialmente grandioso e positivo se tornou negativo. As consequências: o USC foi rebaixado da divisão principal do futebol mineiro, caindo para a segunda divisão e, posteriormente, para a terceira divisão. Com muitos esforços, e o colega Constantino Jorge Calapodopulos sabe de todos estes capítulos, no final de 2021 o USC retornou à segunda divisão. Porém, na semana que passou, a imprensa local publicou que “o USC vai somente participar do campeonato local de Uberaba”. Enfim, USC atingiu o fundo do poço.
Em 1996, eu era o diretor da então FMTM. Faltava cerca de ano e meio para o término do meu mandato. Certo dia, fui abordado por um colega professor que me propôs a seguinte questão:
“sendo o diretor da FMTM também o presidente da Funepu (Fundação de Ensino Pesquisa de Uberaba”;
“sendo a Funepu proprietária de vários imóveis (casas e terrenos)”;
“por que não ir ao BNDES dar como garantia todos estes imóveis e “encher a FMTM” de materiais para pesquisas e cirurgias de alta complexidade, deixando o seu nome na história da FMTM?”
Respondi ao colega: “caso eu atenda sua sugestão, serei amaldiçoado e xingado até a minha quinta geração, pois a FMTM não gerará renda para o pagamento da dívida assumida e a Funepu perderá todos os seus imóveis”.
Conclusão: projetos grandiosos devem e podem ser realizados, mas a decisão tem que ser madura e consciente, com análise dos fatores positivos e negativos que podem advir do erro da tomada de decisão. É preciso que o dirigente coloque a segurança do bem comum acima de interesses pessoais, pois é muito mais frequente se ouvir “ter a coragem de fazer” e não se ouvir “ter a coragem de não fazer”.
Nilson de Camargos Roso
Doutor em Anestesiologia, professor aposentado pela UFTM
n.roso@me.com