Frase aparentemente sem sentido, pois progresso e atraso são palavras antônimas e antagônicas. Ela me foi dita há décadas por um familiar, que na época deu exemplos:
1- a energia elétrica doméstica é progresso, mas é atraso, pois, através da eletrocussão, mata;
2- o avião é progresso, mas, também, mata (959 mortes no mundo em 2009);
3- idem para o automóvel (33.813 mortes em 2021, somente no Brasil). Cito outros exemplos.
O sistema de pagamento Pix trouxe progresso e rapidez, mas trouxe novas modalidades de fraudes.
Paracelso disse que “a diferença entre o medicamento que salva e o que mata é a dose”.
As abelhas são sempre associadas ao progresso, pois produzem o mel, que alimenta, polinizam as flores e frutos, aumentando a produção e a produtividade destes; produzem a própolis, que tem ações antioxidante, antifúngica e antibacteriana. Porém, nos últimos cinco anos, o Brasil registrou cerca de 100 mil casos de acidentes por abelhas, de acordo com os dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), divulgados pelo Ministério da Saúde. Entre os casos registrados, 303 foram fatais. Quanto mais abelhas, mais progresso e mais problemas.
O oxigênio, gás da vida, se fornecido em altas concentrações com grande pressão parcial por tempo prolongado, acarreta alterações pulmonares graves e no recém-nascido prematuro leva à cegueira e à involução cerebral. Oxigênio salva, mas também mata.
O contraste radiológico “Celobar”, por erro na sua produção, matou em 2003 dezenas de pessoas no Brasil, sendo duas em Uberaba. Nem por isso a indústria foi proibida de produzir contrastes.
Como se percebe, nada é absoluto, sempre havendo efeitos positivo e negativo do progresso.
Na semana passada, o ministro Alexandre de Moraes disse: “antes das redes sociais éramos felizes e não sabíamos”. Data venia, ministro, a internet e as redes sociais são uma forma manifesta do progresso, mas, se mal-usadas, são um atraso. A internet trouxe um progresso acentuado ao mundo. Ela nos ensina, mas nem sempre educa. Hoje a internet espelha uma guerra ideológica de pensamento, no Brasil e em todo mundo, agravada pelas “fake news”, que podem e devem ser combatidas pela legislação brasileira vigente, que é rica e abrangente, suficiente para educar nosso povo, não necessitando de novas leis para punição dos infratores. Sabemos que as leis são criadas para os juízes obrigarem o povo a respeitá-las, mas a Constituição foi criada para obrigar os juízes a segui-la. Ninguém sente falta daquilo que nunca teve, mas sente do que já foi incorporado. Assim, se formos retirar do uso diário pelos problemas que traz não apenas a internet, mas também a eletricidade, o automóvel, o avião e as abelhas, voltaríamos aos tempos do Pithecanthropus erectus. Hoje, até nossos indígenas exigem a internet, que leva a eles informações que a mídia tradicional não leva, pois essa perdeu o monopólio da informação e esperamos que este aspecto não seja o seu motivo de preocupação, ministro, com as redes sociais.
Um fato isolado não tem valor, mas a associação de fatos repetitivos não eventuais traduz uma rotina de conduta. Preocupa os brasileiros, ministro, a sua hermenêutica sobre a internet. Os cinco princípios da administração pública, artigo 37 da nossa Constituição, são claros e autoexplicáveis: impessoalidade, legalidade, eficiência, moralidade e publicidade (inclui a transparência). Uma vez mais, “data maxima venia”, ministro, para encontrar a verdade e a punição dos mentirosos, basta seguir com rigor a nossa Constituição, o que trará progresso, mas não a interpretar corretamente é um atraso.
PS: “enquanto eu tiver perguntas e não houver respostas, continuarei a escrever”. Clarice Lispector.
Nilson de Camargos Roso
Doutor em Anestesiologia; professor aposentado pela UFTM
n.roso@me.com