O Professor Aluízio Rosa Prata, titular de Doenças Infecciosas da Universidade de Brasília, transferiu-se para a então FMTM em janeiro de 1987, assumindo a referida disciplina, e foi peça fundamental na criação da Pós-graduação. Desde 1984, fazia o Encontro Anual de Doenças de Chagas, no Hotel do Barreiro, em Araxá, e a FMTM oferecia todo o apoio logístico e humano para a realização do evento. O Encontro era de alta densidade científica, com a participação dos melhores representantes das Doenças Infecciosas do Brasil. Mas foi no ano de 1987 que ocorreu o fato que motivou este texto. Durante o Encontro, havia no anfiteatro cerca de cem pessoas, entre acadêmicos, professores e servidores públicos da área de Saúde de Uberaba e de outras cidades. No Brasil, o primeiro caso relatado da Síndrome da Deficiência Imunológica Adquirida (Aids, na língua inglesa) fora relatado em 1983, mas a curva dos casos era fortemente ascendente, o que preocupava a todos, principalmente as autoridades da área de Saúde. Neste dia, uma psicóloga de Uberaba que estava presente no auditório assumiu a palavra e fez um misto de pedido e sugestão, bem fundamentados. Disse: “Professor Aluízio, o senhor tem um Serviço de Doenças Infecciosas bem estruturado dentro da FMTM. O crescimento dos casos de Aids no Brasil e, também, em Minas Gerais é assustador. Faço a pergunta: por que não criar um atendimento dos aidéticos com toda a estrutura que o senhor tem, não apenas científica, mas com apoio de área para isolamento no Hospital para internação, além do apoio de acadêmicos, psicólogos, dentistas e fisioterapeutas?”. O Professor Aluízio, rapidamente, concordou com a sugestão, pois sempre aceitou desafios e, principalmente, porque se tratava de um interesse público onde não havia no Brasil, naquela época, um serviço capacitado e atuante para atender à necessidade urgente de uma doença até então mal estudada e com consequentes deficiências no atendimento e no tratamento. Mas o Professor Aluízio me passou a palavra, pois eu também estava compondo a mesa dos trabalhos naquele dia, como diretor da FMTM. Para haver uma verdadeira REGIONALIZAÇÃO do atendimento aos aidéticos, era necessário haver o apoio da Administração da FMTM, pela qual eu era o responsável. As minhas palavras foram estas: “concordo plenamente com a sugestão e coloco todo o complexo hospitalar e ambulatorial da FMTM à disposição do futuro atendimento regionalizado dos portadores de Aids do Brasil Central. Apenas lembro que, por ser um dos primeiros no Brasil, o referenciamento dos pacientes para a FMTM colocará nas estatísticas que “Uberaba é a cidade dos aidéticos”. A mesma psicóloga que havia feito a sugestão fez a réplica: “Dr. Nilson, o senhor é uma pessoa de mentalidade aberta e muito me assusta o senhor fazer tal colocação”. Procurei, então, fazer a justificativa da minha afirmação: “Uberaba possui um Hospital especializado em tratamento do Pênfigo Foliáceo, conhecido como Fogo Selvagem.
Pessoalmente, já recebi indagações sobre a necessidade da criação de tal Hospital especializado. Uma das indagações foi esta: “Uberaba tem muitos casos de Fogo Selvagem que justifiquem a criação de um hospital próprio? Muitos pensavam que Uberaba era uma região com alta prevalência de Fogo Selvagem por ter um hospital especializado. Daí a justificativa da minha afirmação, pois haverá o encaminhamento e triagem dos aidéticos de todo o Brasil Central, o que acarretará manchetes na grande mídia: “Uberaba, cidade dos aidéticos”, sob os olhos desavisados no assunto”. Enfim, foi um debate sadio e enriquecedor. Professor Aluízio, uma vez oferecidas a ele as condições adequadas de trabalho, em curto tempo implantou o Serviço de Atendimento aos Aidéticos, o que trouxe para todos os profissionais da Saúde muito conhecimento e motivação para a continuidade do trabalho.
Em consequência, não havendo no Triângulo Mineiro, e mesmo no Brasil Central, outro serviço especializado no tratamento da Aids, os pacientes eram atendidos na FMTM e eram rotulados como sendo de Uberaba, onde a maioria se declarava como residente em Uberaba, pois não gostariam que na sua terra natal ou de origem soubessem que eram aidéticos, pois esta doença era muito estigmatizada na época. Nos três anos subsequentes, a grande imprensa nacional colocou no ranking das cidades com mais aidéticos:
1- primeiro lugar: Santos, onde o número alto dos casos era atribuído aos marinheiros que chegavam ao Porto de Santos, oriundos de todos os lugares do mundo;
2- segundo lugar: Uberaba, onde não citavam que era a única cidade que tinha serviço especializado no atendimento e, consequentemente, não citavam o referenciamento dos pacientes.
Nos anos subsequentes, as cidades circunvizinhas, através de programas estabelecidos pelo Ministério da Saúde, tiveram cursos de capacitação e treinamento para o atendimento de aidéticos, o que fez desaparecer o termo “Uberaba, cidade de aidéticos”. O professor de Histologia da FMTM, Aluísio Molinar, dentro da lógica do raciocínio, dizia: “em Medicina, como na vida, pense no que é mais simples, pois então erraremos menos”.
Nilson de Camargos Roso
Doutor em Anestesiologia, professor aposentado pela UFTM
n.roso@me.com