Um preâmbulo é necessário. No dia 25 de março de 1984, domingo, o colega anestesiologista Aulo de Oliveira Sousa, ao entrar em sua residência, às 14 horas, encontrou dentro dela dois assaltantes, que o torturaram e o balearam, ocasionando sua morte. Aulo era uma pessoa muito querida e sua morte desencadeou manifestações da Sociedade de Medicina e Cirurgia de Uberaba e do Sindicato Rural, que se reuniram com o comandante do 4º Batalhão de Polícia Militar e com o delegado regional, solicitando providências na área de segurança pública.
Várias pessoas também se manifestaram, como o Dr. Humberto de Oliveira Ferreira, professor titular de Pediatria da FMTM, admirado pelo seu conhecimento científico e pelo seu alto grau de filantropia e altruísmo. Dr. Humberto escreveu o texto abaixo, que em poucas linhas sintetizou esse fato ocorrido em Uberaba, dizendo que o mesmo se repetia em todo o Brasil, e previu o que ainda aconteceria no futuro, propondo três frentes para combater o crime, divididas em curto, médio e longo prazo.
Dias atrás, por represália, criminosos da favela da Maré (aquela que foi visitada pelo então ministro da Justiça, Flávio Dino, sem escolta) fecharam no Rio de Janeiro a avenida Brasil e a Linha Vermelha, ostentando o domínio do crime organizado sobre a sociedade civil desorganizada, demonstrando que as autoridades da área da segurança têm um bom discurso, mas sem resultados práticos no combate à violência. Os atuais indicadores não são animadores: 39.500 mortes violentas em 2023 no Brasil, que lidera o ranking mundial de homicídios em números absolutos, de acordo com dados do Estudo Global sobre Homicídios 2023, divulgado pela ONU.
Segue abaixo, escrito há 40 anos, mas ainda atual, dirigido às famílias e às autoridades, expressando a dor pela perda de um ente querido, o cristão, assertivo e precioso texto do Dr. Humberto, em palavras moderadas e propositivas.
“Uberaba, 29.03.1984
Uberaba indefesa - Humberto de Oliveira Ferreira
Uberaba tem tomado conhecimento de uma série de crimes hediondos que aqui têm sido praticados, culminando com o que ocorreu no último domingo, 25 de março, quando perdeu a vida um nobre médico de nossa cidade, Dr. Aulo de Oliveira Sousa.
A onda de violência cresce em nossa cidade, como aliás em todo o país. O combate à criminalidade é difícil, mas não impossível, devendo para esse fim serem tomadas medidas a curto, médio e longo prazo.
Como medidas a curto prazo, devemos melhorar a segurança dos presídios, impossibilitando as fugas fáceis e evitando que os mesmos sejam locais de cursos de pós-graduação do crime.
Com relação às providências a médio prazo, dando serviço no campo para aqueles que de lá vieram para habitar a periferia das nossas cidades e que não têm aptidão para o trabalho nelas.
E como medida a longo prazo lutar para impedir a desagregação da família, dar formação moral à juventude, incrementar a evangelização do nosso povo.
Há, pois, necessidade imediata de um trabalho conjunto das autoridades e das associações de classe, visando ao combate ao crime e a defesa da vida de nossa população.
Não devemos confundir respeito a direitos humanos com protecionismo a bandidos e marginais, para que esses direitos tão nobres não sejam desvirtuados.
Precisamos ensinar aos jovens que a verdadeira felicidade é uma estrutura de espírito e provém da realização através do trabalho, e que somente com ele conseguimos o progresso e a libertação do homem e do país.
Aulo foi um exemplo de dedicação ao trabalho, sendo entretanto vítima de bandidos, que praticaram um dos crimes mais bárbaros já ocorridos em nossa cidade.
Esperamos que o seu sacrifício não tenha sido em vão”.
Nilson de Camargos Roso
Doutor em Anestesiologia; professor aposentado pela UFTM
n.roso@me.com