O “Direito dos usos e costumes”, mais corretamente denominado “Direito Consuetudinário”, tem etimologia oriunda do latim CONSUETUDINIS, significa usos, costumes. A Constituição americana é considerada a menor Constituição escrita do mundo: tem sete artigos e 27 emendas que cabem em cinco páginas. Mas já o Reino Unido (Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte) não possui Constituição escrita. O Direito Constitucional dele vincula-se historicamente ao desenvolvimento de TRADIÇÕES NORMATIVAS. É fácil entender por que lá prevalece o Direito Consuetudinário. Cito, na sequência, dois exemplos práticos do exercício deste Direito, que me foram passados pelo Professor Emérito da UFTM, Aluízio Rosa Prata.
1) PRIMEIRO EXEMPLO: estando na Inglaterra, o Professor Aluízio foi convidado por um amigo a assistir à cerimônia de posse de um reitor de uma universidade pública. Após a cerimônia, o Professor perguntou ao seu amigo qual seria o tempo do mandato do mesmo. O amigo disse não entender a pergunta. O Professor esclareceu que, no Brasil, o mandato era de quatro anos. O amigo, então, respondeu que “na Inglaterra não há tempo de mandato. Se o reitor for bom administrador, poderá ficar até se aposentar. Porém, se em poucos meses, após a posse, forem descobertas impropriedades na administração, o reitor será destituído”. E esta situação está incorporada e aceita pelo cidadão inglês, mas a maioria dos brasileiros, certamente, não consegue cerebrar, captar, entender, tal Direito.
2) SEGUNDO EXEMPLO: o Professor Aluízio relatou que, certa vez, em um hospital público na Inglaterra, já no fim de tarde, um médico optou por não sair pela frente do hospital, mas pela parte da área de serviços, onde há entrada e saída de caminhões, nos fundos do hospital. Este médico notou que havia um tambor de lixo que estava aberto e que na superfície do lixo havia uma placa de Petri, que estava sem a tampa. O médico, sabedor que esta placa não é descartável, comunicou ao laboratório do hospital, que enviou um servidor paramentado com capote, gorro, máscara e luvas. Levando este material ao laboratório, evidenciaram que se tratava de uma cultura do vírus da varíola. Esta doença estava erradicada da Inglaterra havia muitas décadas. Por precaução, as autoridades da área da Saúde resolveram vacinar a população dos bairros próximos ao hospital. Mesmo com estes cuidados, surgiram quatro casos de varíola. Dentro do princípio do Direito Consuetudinário, alguém falhou no seu trabalho e, por consequência, “alguém deveria ser punido”. Assim, o governo determinou a destituição do reitor. Mais do que nunca, tal decisão não seria tomada no Brasil e, caso fosse, também não seria compreendida pela população.
A finalidade deste texto é fazer uma comparação com as leis brasileiras, onde:
1) “todo cidadão é inocente, até que se prove o contrário”;
2) “nenhum cidadão é obrigado a gerar provas contra si mesmo”, inclusive com permissão de ministros do STF que permitem que o depoente tenha o direito de se manter calado, não contribuindo para o esclarecimento do suposto fato;
3) a Constituição Brasileira possui dezenas de vezes a palavra DIREITO e apenas uma vez a palavra DEVER;
4) o médico e o engenheiro aplicam na prática, respectivamente, o que aprenderam nos cursos de medicina e de engenharia. Já os juízes dos Tribunais Superiores se esquecem dos ensinamentos do curso de Direito, julgando, algumas vezes, mais pelas exceções do que pelas regras da lei;
5) nossa Constituição foi elaborada em 1988, com grande ressentimento do período do governo militar. Some-se ainda, com presença atuante, a existência da URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), que foi fragmentada em 15 países em 1989, ano da queda do muro de Berlim. Esta mesma Constituição, se elaborada 10 anos depois, teria sido muito diferente;
6) embora na nossa Constituição conste que “todos os cidadãos são iguais perante a lei” e que “ninguém está acima da lei”, as ações judiciais têm demonstrado que “nem todos são iguais” e que, no momento, existem quatro instâncias do Poder Judiciário. Mais: “mesmo condenado na segunda instância, ainda não há a prisão”, o que demonstra que muitos cidadãos estão fora da aplicação da lei;
7) em 2015, um ministro do Superior Tribunal de Justiça foi “punido” por vender sentenças. A “punição” foi aposentadoria integral, muito diferente do país em que prevalece o Direito Consuetudinário.
Em síntese: na aplicação da lei, o Brasil está a 180 graus das leis inglesas, certamente devido aos usos e costumes, onde há uma cultura muito diferente da brasileira. Mais uma vez, “a cultura come a estratégia antes do café da manhã” (culture eats strategy before breakfast, Peter Drucker).
Nilson de Camargos Roso
Doutor em Anestesiologia, professor aposentado pela UFTM
n.roso@me.com