Ontem resolvi me distrair revendo fotos antigas da família, zelosamente guardadas numa cômoda que herdei da minha mãe. E eis que encontro um retrato, em branco e preto, onde meus irmãos e eu estamos ao lado de amigos de infância de Belo Horizonte. Estávamos em 1961, éramos crianças e a foto chamou minha atenção e despertou especial interesse, sobretudo porque me abriu o baú das recordações.
Nessa época morávamos numa casa de arquitetura moderna rodeada por amplos jardins, com extensos gramados delimitados por aleias de fícus. Bicos-de-papagaio davam um certo colorido em meio ao verde monocromático do jardim, assim como arbustos de uma folhagem avermelhada denominada iresine surgiam estrategicamente distribuídos pelo gramado, tendo ao centro um pé de babosa em destaque pelo seu porte já bem avantajado.
Ao fundo, o quintal, também gramado, tinha uma frondosa mangueira, uma jabuticabeira mais acanhada, bananeiras, uma goiabeira, um abacateiro e até um pé de maracujá doce. Chamava a atenção uma pequena horta com canteiros bem cuidados, que era a menina dos olhos do meu saudoso pai.
Amarrado ao tronco da mangueira ficava um cachorro vira-lata chamado “Catito”, nome extraído de um bolero que tocava muito nas rádios no final dos anos 50. Ele era um cachorro bravo, traiçoeiro, que quando escapulia sempre atacava algum desavisado que encontrava pelo caminho. Eu não era apegada a ele, mas quando mudamos para Uberaba e meu pai o deu para o vizinho de frente, soube que o Catito fez greve de fome e morreu de tristeza. Fiquei muito abalada e descobri que eu também o amava.
Nos domingos ensolarados, um ouvido mais atento poderia distinguir facilmente os risos da família. Ríamos muito naquele tempo. Pela manhã, infalivelmente, íamos à missa das 8 horas na Capela do Colégio Santa Marcelina, situada a dois quarteirões da nossa casa. Toda a família reunida, com nossas “roupas de domingo”, e lá encontrávamos nossos vizinhos. Era também um dia especial, pois tinha macarronada e um delicioso franguinho no cardápio do dia.
Nos finais de semana, a meninada se juntava para brincar. Pulávamos corda, andávamos de bicicleta ou de carrinho de rolimã, jogávamos voleibol ou queimada. A rede de vôlei era armada na parte da frente da nossa casa, no caminho cimentado que conduzia à garagem. Como se não bastasse, ainda dispúnhamos de um grande balanço que meu pai comprou com três cadeiras coloridas de cores diferenciadas e de tamanhos diferentes. A maior, que era do meu irmão, era azul; a minha, primeira à direita, grená; e a menorzinha, no centro do balanço, laranja, era da minha irmã caçula. Eu gostava muito de gangorrar e ficar olhando o céu estrelado ao cair da tarde. As três-marias eram as minhas favoritas.
Muitos anos depois, eu estava com meus tios, Dalva e Jorge Miziara, no aeroporto da Pampulha para uma conexão de voo que demoraria ainda algumas horas. Sugeri a eles que déssemos uma passada na rua onde minha família tinha morado para que eu pudesse matar a saudade da nossa casa. Para minha surpresa, tapumes cercavam o lugar onde ela deveria estar. Resolvi espiar pelas frestas e me surpreendi com uma dolorosa imagem. A casa estava em fase final de uma demolição. Parada no passeio, esperei que os operários derrubassem a última parede e só então voltei para o carro com a sensação de que dentro de mim algo também fora demolido. A parte mais feliz da minha vida desapareceu junto com aquela casa. Nem mesmo fotografias restaram daquela época.
As lembranças surgem nesta minha maturidade, e logo se eclipsam. Comovo-me quando certas memórias vêm à tona, ocupo-me delas, mas logo dedico-me a outros afazeres. Vida que segue...
Olga Maria Frange de Oliveira
Professora de piano, maestrina, regente do Coral Artístico Uberabense, autora do livro “Pioneiros da História da Música em Uberaba” e ex-diretora-geral da Fundação Cultural de Uberaba