Como nós, que vivemos numa sociedade considerada moderna, produzimos tantos dramas de cunho moral? Esperamos soluções milagrosas por parte dos políticos? Dos líderes? Das autoridades? De um novo Robin Hood? O que significa para nós a palavra justiça? Têmis, filha de Urano e de Gaia, é a personificação alegórica da deusa guardiã dos juramentos dos homens e da Lei na arte clássica grega. Representada por uma figura feminina sustentando nas mãos uma balança, tendo os olhos vendados, simboliza a imparcialidade da justiça. Porém, infelizmente para nós, a lei nem sempre garante a justiça.
A vida nos oferece uma sucessão de momentos de euforia e de desesperança, de alegrias e dores, de coisas medíocres ou espetaculares, de tédio ou entusiasmo. A vida é assim e pronto. Como diziam nossos avós, “Não há bem que sempre dure nem mal que nunca se acabe”.
Temos vivenciado tragédias inimagináveis nos últimos tempos, como a de Brumadinho, que ceifou tantas vidas e chocou o país com suas imagens dramaticamente fortes. A mídia retratou os dramas pessoais, o noticiário explorou o tema por muitos dias, o assunto foi manchete por algum tempo até cair no esquecimento, como já tinha acontecido com a tragédia de Mariana. Afinal a roda do tempo está sempre a girar.
Os incêndios consumiram grande parte da Amazônia e do Pantanal, incêndios criminosos, ateados por mãos humanas que sempre semeiam a destruição sem comprometimento com seus semelhantes, sem avaliar as consequências de seus atos ou o alcance de suas responsabilidades. A culpa é do tempo seco, do vento, da falta de chuva, das mudanças climáticas, nunca daquele que ateou o fogo. Assistimos impotentes, sem acreditar no que nossos olhos viam. Alguma coisa dentro de nós também se consumiu. A crença de que o homem foi feito à imagem e semelhança do Criador ficou abalada para sempre. A natureza, com sua flora e fauna tão ricas e diversificadas quanto sagradas, foi profanada. A natureza é, a um só tempo, bela e cruel, sagrada e profana, forte e perecível, deslumbrante e misteriosa, acolhedora e agreste.
Nos últimos dias, assistimos pela televisão duas grandes tragédias envolvendo ônibus de transporte de passageiros. Os veículos se reduziram a destroços e acabaram com a vida de quase uma centena de pessoas, entre mortos e feridos. Após o desastre, sempre descobrem que o ônibus estava transitando irregularmente e com sérios problemas de manutenção. Quanto mais sucateado, maior o número de passageiros. Pessoas humildes, que arriscam a própria vida por uns trocados a mais no bolso. O ilegal é mais barato. Onde está a vigilância? Não há um único culpado, pois existe uma cadeia de erros desde o início até o trágico desfecho. No segundo acidente, o motorista foi o primeiro a pular para fora do veículo. Senti como se o capitão de um navio se gabasse de ter sido o primeiro a se salvar de um naufrágio. Sempre me disseram que o capitão de um navio é o último a abandonar o barco. Será???
Também assistimos, perplexos, o país todo acompanhar dias seguidos o final de uma eleição num país estrangeiro, acreditando que a vitória de um ou de outro poderia causar uma reviravolta nos rumos dos acontecimentos em nível mundial. Um fato que deveria nos levar, no mínimo, a uma reflexão. Achei surreal!... Como surreal foi o ano de 2020. O ano que não aconteceu. O ano que passou em branco. O ano em que o mundo parou por conta de um inimigo invisível. Haverá luz no fim do túnel? Para quem enxerga com os olhos da alma, sim! Para quem se apega à realidade nua e crua do ser humano, em sua pequenez, não!
Olga Maria Frange de Oliveira
Professora de piano; regente do Coral Artístico Uberabense; autora do livro “Pioneiros da História da Música em Uberaba”; ex-Diretora -Geral da Fundação Cultural de Uberaba