ARTICULISTAS

Amiga Zininha

Estive duas semanas em São Paulo para passar as festas de fim de ano com minha família

Olga Maria Frange de Oliveira
Publicado em 15/01/2020 às 20:20Atualizado em 18/12/2022 às 03:33
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Estive duas semanas em São Paulo para passar as festas de fim de ano com minha família. Agora vou voltando à minha rotina. Os dias em São Paulo me deram uma sensação de pausa, de aconchego familiar, de ruptura com o cotidiano. Mas nem por isso deixei de receber tristes notícias de Uberaba, que fizeram com que, ao girar a chave para fechar a porta do ano de 2019, deixasse para trás, junto às alegrias, parte preciosa da minha vida. 

O ano que findou foi pleno de realizações e conquistas. Consegui concretizar as metas traçadas e sentia-me grata a Deus pelas dádivas recebidas. Mas, no último dia do ano, 31 de dezembro, recebi a notícia do falecimento de uma grande amiga, Orosina de Camargos Tibery, conhecida por todos pelo apelido carinhoso de Zininha. Na véspera da viagem tínhamos nos despedido e ela garantiu que assim que eu chegasse viria almoçar comigo para colocarmos o papo em dia.

Zininha entrou em minha vida em 1967, quando retornei para Uberaba com minha família, após dez anos residindo em Belo Horizonte, e ingressei no Instituto Musical Uberabense para prosseguir meus estudos musicais com D. Odette Carvalho de Camargos. Zininha era sobrinha de D. Odette e secretária do IMU. Assim como sua tia, ela era dona de um temperamento forte e atuava como a verdadeira “alma” da escola. Tivemos um convívio de 52 anos e, dessa forma, Zininha se tornou um pouco mãe, irmã, companheira de viagem, amiga e confidente. Figura onipresente em todas as audições, incentivadora de todos os nossos projetos, encarregada da iniciação musical das crianças, integrante do naipe dos contraltos do Coral Artístico Uberabense e acordeonista de talento. O Instituto era, com certeza, sua segunda casa.

Acho que Deus a levou quando eu estava ausente da cidade para abrandar o duro golpe, que estava iminente. Infelizmente, como disse seu sobrinho Nilson de Camargos Ros “Quando nascemos já chegamos com a ‘data de validade’ implícita. Nada poderá alterar isso”.

De qualquer modo, os amigos são para sempre, ainda que não permaneçam conosco a vida inteira. Muita coisa pode ser lembrada e aprendida ao olharmos para trás. Zininha, aos 86 anos, era a primeira pessoa a ligar para mim quando saía uma crônica publicada no Jornal da Manhã. Aí ela parecia uma mãe carinhosa e orgulhosa da “filha”. Elogiava, fazia pilhérias sobre algum assunto, como quando dizia: “Ora, Olga, você amanheceu romântica hoje? Viu passarinho verde?”

A amizade é para ser “usada”, pois a convivência só solidifica os laços de carinho, ao contrário dos objetos, que se desgastam e perdem o valor com o uso continuado. Hoje vejo que quando perdemos uma pessoa amiga, vem o vazio e a sensação de que, por mais que nos falássemos, não tivemos tempo de dizer tudo uma para a outra. Zininha, querida, eu queria que você tivesse sido mais poupada, menos exigida, mais compreendida, mais acarinhada por todos.

Fiquei muito feliz pelo fato de o Coral Artístico Uberabense ter comparecido em peso para homenageá-la com uma das mais belas missas de sétimo dia que já realizamos. Que a nossa mensagem musical tenha chegado até você, assim como as preces de tantos amigos e familiares que estiveram presentes na Igreja de São Domingos, dia 6 de janeiro próximo passado, numa cerimônia que tocou a alma de todos os presentes. Como bem se expressou frei Vanderlei, as orações cantadas serviram mais para suavizar a nossa própria dor do que para serenar o espírito que realizou a sua páscoa e encontrou a paz definitiva ao lado do Pai celestial.

Bernardo Soares, heterônimo de Fernando Pessoa, disse: “A alma humana é vítima tão inevitável da dor que sofre a dor da surpresa dolorosa mesmo com o desenlace que deveria esperar”. Essa frase descreve o sentimento de todos nós que acompanhávamos sua luta pela vida, acreditando que ainda não era chegado o instante derradeiro.

 Até um dia, Zininha! Fique com Deus!  

(*) pianista, professora, maestrina, regente do Coral Artístico Uberabense, pesquisadora da História da Música em Uberaba e ex-diretora geral da Fundação Cultural de Uberaba

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