Estive duas semanas em São Paulo para passar as festas de fim de ano com minha família
Estive duas semanas em São Paulo para passar as festas de fim de ano com minha família. Agora vou voltando à minha rotina. Os dias em São Paulo me deram uma sensação de pausa, de aconchego familiar, de ruptura com o cotidiano. Mas nem por isso deixei de receber tristes notícias de Uberaba, que fizeram com que, ao girar a chave para fechar a porta do ano de 2019, deixasse para trás, junto às alegrias, parte preciosa da minha vida.
O ano que findou foi pleno de realizações e conquistas. Consegui concretizar as metas traçadas e sentia-me grata a Deus pelas dádivas recebidas. Mas, no último dia do ano, 31 de dezembro, recebi a notícia do falecimento de uma grande amiga, Orosina de Camargos Tibery, conhecida por todos pelo apelido carinhoso de Zininha. Na véspera da viagem tínhamos nos despedido e ela garantiu que assim que eu chegasse viria almoçar comigo para colocarmos o papo em dia.
Zininha entrou em minha vida em 1967, quando retornei para Uberaba com minha família, após dez anos residindo em Belo Horizonte, e ingressei no Instituto Musical Uberabense para prosseguir meus estudos musicais com D. Odette Carvalho de Camargos. Zininha era sobrinha de D. Odette e secretária do IMU. Assim como sua tia, ela era dona de um temperamento forte e atuava como a verdadeira “alma” da escola. Tivemos um convívio de 52 anos e, dessa forma, Zininha se tornou um pouco mãe, irmã, companheira de viagem, amiga e confidente. Figura onipresente em todas as audições, incentivadora de todos os nossos projetos, encarregada da iniciação musical das crianças, integrante do naipe dos contraltos do Coral Artístico Uberabense e acordeonista de talento. O Instituto era, com certeza, sua segunda casa.
Acho que Deus a levou quando eu estava ausente da cidade para abrandar o duro golpe, que estava iminente. Infelizmente, como disse seu sobrinho Nilson de Camargos Ros “Quando nascemos já chegamos com a ‘data de validade’ implícita. Nada poderá alterar isso”.
De qualquer modo, os amigos são para sempre, ainda que não permaneçam conosco a vida inteira. Muita coisa pode ser lembrada e aprendida ao olharmos para trás. Zininha, aos 86 anos, era a primeira pessoa a ligar para mim quando saía uma crônica publicada no Jornal da Manhã. Aí ela parecia uma mãe carinhosa e orgulhosa da “filha”. Elogiava, fazia pilhérias sobre algum assunto, como quando dizia: “Ora, Olga, você amanheceu romântica hoje? Viu passarinho verde?”
A amizade é para ser “usada”, pois a convivência só solidifica os laços de carinho, ao contrário dos objetos, que se desgastam e perdem o valor com o uso continuado. Hoje vejo que quando perdemos uma pessoa amiga, vem o vazio e a sensação de que, por mais que nos falássemos, não tivemos tempo de dizer tudo uma para a outra. Zininha, querida, eu queria que você tivesse sido mais poupada, menos exigida, mais compreendida, mais acarinhada por todos.
Fiquei muito feliz pelo fato de o Coral Artístico Uberabense ter comparecido em peso para homenageá-la com uma das mais belas missas de sétimo dia que já realizamos. Que a nossa mensagem musical tenha chegado até você, assim como as preces de tantos amigos e familiares que estiveram presentes na Igreja de São Domingos, dia 6 de janeiro próximo passado, numa cerimônia que tocou a alma de todos os presentes. Como bem se expressou frei Vanderlei, as orações cantadas serviram mais para suavizar a nossa própria dor do que para serenar o espírito que realizou a sua páscoa e encontrou a paz definitiva ao lado do Pai celestial.
Bernardo Soares, heterônimo de Fernando Pessoa, disse: “A alma humana é vítima tão inevitável da dor que sofre a dor da surpresa dolorosa mesmo com o desenlace que deveria esperar”. Essa frase descreve o sentimento de todos nós que acompanhávamos sua luta pela vida, acreditando que ainda não era chegado o instante derradeiro.
Até um dia, Zininha! Fique com Deus!
(*) pianista, professora, maestrina, regente do Coral Artístico Uberabense, pesquisadora da História da Música em Uberaba e ex-diretora geral da Fundação Cultural de Uberaba