Este Natal vai ficar assinalado em minha memória por inúmeras razões. Pela primeira vez deixei de receber o 13º salário de todas as minhas fontes de renda, sem falar que até o salário do mês só foi pago com grande atraso. Aliás, não só eu, mas meu marido também. Senti na pele um sentimento misto de humilhação e revolta. Trabalhar anos a fio, doando o melhor de mim mesma nas tarefas que executava, movida pela paixão por tudo que se relacionava à arte musical... para isso?
Há cerca de três anos me aposentei, não porque quisesse, mas porque necessitava dedicar mais tempo à minha mãe, que há anos estava presa a uma cama. Aposentei-me, mas não me afastei da arte que me sacia e alimenta. Ao longo dos anos, venho me reinventando e descobrindo novos caminhos que me conduzem a desafios instigantes e resultados mais que surpreendentes. Isso me permite manter a chama do amor à arte dos sons tão intensa quanto no primeiro dia. E olhe que comecei essa labuta com apenas 12 anos de idade, quando ainda morava em Belo Horizonte.
Ao voltar diversas vezes do banco com as mãos vazias, senti o gosto amargo de ser reduzida a um “nada” perante meus ex-patrões: a Prefeitura Municipal de Uberaba e o governo do Estado de Minas Gerais. Coisas da vida!...
Por ser naturalmente otimista, resolvi fazer do limão uma limonada. Após dez anos sem poder me ausentar de Uberaba, tomei a decisão de ir ao encontro de minha irmã, Mirtes, e de meus queridos sobrinhos que moram em São Paulo, em busca do aconchego familiar e para passarmos juntos o Natal. Carla e seu marido Rogério prepararam seu bonito apartamento para receber os familiares em grande estilo. Todos levaram, fraternalmente, um saboroso prato para compor a ceia. Victor, prestes a viver as delícias da paternidade, aguardando a chegada de Benício, irradiava felicidade. Cristina, com sua descontração, encantava a todos. Meu sobrinho Eduardo, ao lado de Lílian, levou um pouco do meu saudoso irmão à nossa reunião natalina.
O momento mais marcante foi o da prece muito bem conduzida por Verônica, irmã do anfitrião, com foco no aniversariante do dia, seguida pela oração do Pai-Nosso puxada pela menina Mariana, com sua carinha de anjo. O verdadeiro sentido do Natal foi vivenciado por cada um dos presentes.
Até mesmo o fato de não ter recebido o que me era devido fez com que desviasse o foco das compras e passasse a saborear mais intensamente os laços familiares que nos fortalecem internamente. Busquei o essencial, ou seja, abandonei a cultura do consumismo e encontrei as alegrias que emanam das coisas simples e verdadeiras.
Estou aprendendo a descomplicar a vida e a viver com mais leveza. Menos é mais. Renato Teixeira acertou quando escreveu: “Da alma depende a calma; E a calma é irmã do simples; E o simples resolve tudo”. O rosto já não é tão jovem, mas guarda as marcas de incontáveis histórias vividas... Histórias alegres e tristes...
Quero levar essa lição para o ano vindouro, tornando minha caminhada mais fácil e prazerosa. O consumismo, que nos faz gastar o que não temos ou acumular o supérfluo, é uma verdadeira teia a nos enredar. Segundo Jorge Mello, terapeuta gaúcho, “Não percebemos que estamos muito carentes e, então, passamos a tentar suprir essas carências com elementos externos, com bens de consumo”.
A letra da canção de Chico César, “De uns tempos pra cá”, fecha esta breve reflexão com chave de our
“Coisas são só coisas
servem só para tropeçar.
Tem seu brilho no começo,
mas se viro pelo avesso
são fardos pra carregar.”
Olga Maria Frange de Oliveira
Pianista, professora, maestrina, regente do Coral Artístico Uberabense, pesquisadora da História da Música em Uberaba, ex-diretora geral da Fundação Cultural de Uberaba
